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  • Bianca Camatta e Letícia Naome

Ultraprocessados: da composição aos impactos

Alimentos ultraprocessados podem gerar doenças graves à população como cânceres e depressão


Por Bianca Camatta e Letícia Naome


[Imagem: Reprodução/Pixabay]

“Como trabalho, sempre vou no mais fácil e rápido pra minha alimentação, não fico muito preocupada nesta questão se ser saudável ou não, prefiro a praticidade”, é o que conta Fernanda Silva, moradora do distrito de Iguatemi, na zona leste de São Paulo e que tem os alimentos ultraprocessados como parte do seu dia a dia. Esse pode ser o relato de muitos brasileiros, afinal, cerca de 18,4% das calorias totais consumidas nos domicílios brasileiros são de ultraprocessados, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017 e 2018.


Esse consumo ainda pode aumentar devido à diminuição do preço desses alimentos, o que intensifica os malefícios à saúde e pode ser um desafio para futuros atendimentos no SUS.


O que são ultraprocessados?


Os alimentos ultraprocessados são frações de substâncias obtidas de alimentos in natura (a forma natural dos alimentos ou próxima a ela, sem um grande processamento industrial). Há casos em que nem mesmo existe a presença de alimentos naturais, como alguns que contêm sabores artificiais.


Ana Paula Bortoletto Martins, doutora em nutrição e saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP), explica que os alimentos ultraprocessados têm pouca quantidade de alimentos e combinação de diversas substâncias. Ela comenta que essas substâncias “são parcialmente removidas dos alimentos, como soro de leite, glicose, esse tipo de produto mais industrial. Além da adição de elementos que modificam a cor, a textura, o aroma para que ele remeta ao alimento original, por exemplo, néctar de fruta, sucos em pó, mas que na verdade a quantidade de fruta é mínima”.


Outra característica desses alimentos é o excesso de nutrientes não saudáveis e a falta dos nutrientes saudáveis. “Gordura saturada, açúcar e sal são três ingredientes que fazem parte da nossa alimentação e podem compor uma dieta saudável, mas que quando usados nas formulações ultraprocessadas, eles tendem a ser usados em excesso”, exemplifica a nutricionista.


Martins ainda ressalta que nem todo alimento feito na indústria é ultraprocessado, como legumes enlatados ou grãos embalados. “Esses alimentos passam por um tipo de processamento industrial que é benéfico, garante a maior durabilidade dos produtos e facilidade do transporte”, complementa.


Por que são muito consumidos?


O primeiro ponto a se destacar é a facilidade com que as indústrias desses alimentos têm em ofertá-los, o que não acontece com os “in natura”. O desenvolvimento tecnológico possibilitou a alta produtividade em um curto período de tempo e a diminuição dos custos de produção. Isso fez com que os preços se tornassem mais acessíveis à população.



Outra questão são as “estratégias publicitárias agressivas” mencionadas por Martins. Dentro da publicidade, além de propagandas presentes em televisões e mídias sociais, as próprias embalagens dos produtos favorecem esse consumo. “A gente tem o desafio da falta de informação clara nos rótulos dos alimentos, que destacam a publicidade e escondem a informação mais importante para o consumidor poder escolher”, afirma.


Neste exemplo, percebe-se que as letras dos rótulos são muito pequenas e a publicidade é que se destaca. [Imagem: Reprodução/Letícia Naome]

Fernanda comenta que se acostumou com os alimentos caseiros e, por isso, sente mais prazer ao consumir os ultraprocessados. Martins esclarece que esses alimentos são hiper palatáveis, ou seja, é como se fossem mais saborosos, o que provoca estímulos que evolutivamente as pessoas não estão habituadas. Isso estimula um consumo excessivo a curto prazo e inclusive pode gerar vício, como apontam algumas pesquisas.


Fora isso, a especialista em nutrição ressalta que não se pode culpar a rotina do indivíduo pelo consumo massivo desses produtos. “Tem essa combinação de preço cada vez mais competitivo, a publicidade, a falta de informação e a oferta desequilibrada. A escolha individual acaba tendo um impacto muito desigual nessa relação. Se o ambiente alimentar não estimula o consumo de alimentos saudáveis, é muito injusto culpar o indivíduo por não conseguir cozinhar”.



As possíveis consequências à saúde


A publicação Diálogo sobre ultraprocessados: soluções para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis desenvolvida pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo confirma que o consumo desses alimentos causa problemas à saúde. Alguns deles são o ganho de peso, diabetes, doenças cardiovasculares, depressão e alguns tipos de câncer.


Diabetes é uma das doenças causadas pelos alimentos ultraprocessados [Imagem: Reprodução/Pixabay]

Martins afirma que “quanto mais tempo for consumido, a chance de desenvolver todas essas doenças vai aumentando também”. Segundo a publicação, a pandemia da Covid-19 também agrava essas consequências, com o aumento desse tipo de alimentação. Além de mencionar que esses efeitos atingem todas as faixas etárias da população.


Hoje, o consumo de ultraprocessados ainda é maior pelas classes mais altas, mas com o aumento do preço do alimento “in natura” e o baixo preço dos ultraprocessados essa lógica tende a se inverter em 2026, segundo o artigo O que esperar do preço das comidas saudáveis e não-saudáveis com o tempo? O caso do Brasil, publicado na revista científica Public Health Nutrition. Isso já é uma realidade no preço da salsicha, por exemplo, que é mais acessível que a carne.


Martins também conta que, com o acréscimo do consumo e maiores casos de doenças relacionadas aos ultraprocessados, o SUS poderá ficar sobrecarregado. “Não dá para dizer quanto, mas com certeza o SUS vai precisar de muito mais para conseguir atender a todo esse aumento da demanda”.


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