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  • Guilherme Castro Sousa e Otávio Daniel

Slam da Guilhermina: poesia e resistência

Por Otávio Aguiar e Guilherme Castro Sousa

Naia Curumim apresentando suas poesias no Slam da Guilhermina 259. [Foto: Otávio Daniel]


A edição 259 do Slam da Guilhermina, onde os competidores batalharam pela penúltima vaga na grande final, aconteceu no dia 24 de junho. Os artistas aproveitaram a ocasião para divulgar seus trabalhos, vender seus livros e, acima de tudo, se expressar.


Ao sair da estação Guilhermina-Esperança, próxima ao fim da linha vermelha do metrô no sentido Itaquera, é possível presenciar um evento sendo sediado na praça que leva o mesmo nome da estação. Cada vez mais comum, mas ainda raro de se ver no Brasil, ali se reúnem poetas e ouvintes que juntos participam de uma batalha onde todos são aceitos e questões como "quem é o vencedor ou o perdedor” não chegam perto de ser tão importantes quanto o evento em si.


O Slam da Guilhermina é uma intervenção artística e cultural que surgiu em fevereiro de 2012 e reúne artistas periféricos de toda São Paulo. A produção do evento é realizada por Emerson Alcalde, Uilian Chapéu e Cristina Assunção, professora e uma das slammasters (nome dado aos anfitriões de eventos de slam) do encontro que, sobre a organização, afirma que “no Slam da Guilhermina não há dificuldades. Ele já tem uma periodicidade, nós já temos os nossos livros, nós já temos um nome, um número de poetas que gostam de competir.” Tais fatores vêm sendo somados ao longo das muitas edições do campeonato que, tendo sido o segundo circuito de slam poetry do Brasil, reuniu grande reconhecimento e credibilidade no meio cultural periférico da cidade e do país. O Coletivo Slam da Guilhermina também é responsável desde 2014 pelo Slam Interescolar, campeonato de poesias faladas das escolas do estado de São Paulo. Ao todo, são cerca de duzentas escolas participando do projeto.


Mas afinal, o que é slam?


O slam poetry – ou poetry slam – é uma expressão artística que consiste em poesias faladas, acompanhadas de uma performance por parte do poeta. Participando de competições, cada slammer (nome que se dá ao artista) dispõe de três minutos para realizar sua apresentação, que constitui de trabalhos autorais sem qualquer tipo de acompanhamento musical, adereços, figurinos ou auxílio visual. O slam evidencia o uso do corpo e da voz como instrumento artístico ao recitar o poema. Em seguida, os competidores são julgados por uma comissão de jurados. Alguns dos critérios de avaliação são a criatividade e interpretação. Não basta apenas recitar os poemas: eles têm de colocar a alma neles. O júri é selecionado de forma aleatória entre os espectadores e avalia os artistas com notas de zero a dez.


Sob o clamor “Slam da Guilhermina!” se inicia a competição. A primeira rodada é a mais longa: nela todos os inscritos se apresentam e colocam toda a energia em suas performances. Mais que apenas a palavra: seus gestos, sua voz, sua postura, tudo é entregue a suas poesias. Os temas são diversos: política, racismo, violência policial, amor, a relação dos artistas com seus próprios corpos, e cada poeta tem sua própria maneira de abordar e apresentar tais temas.


Na segunda sequência apenas cinco poetas são classificados, e na final apenas três. O público é convidado a ficar mais próximo e não assiste à competição de forma passiva. Seus gritos pontuam as apresentações, em comemoração quando um poeta recebe um dez ou dizendo “credo!” quando não. Aproximando-se da fase final, o clima vai ficando mais intenso, o público mais animado e os artistas passam a mostrar o melhor de si.


A poesia que antes ocupava a mente e os corações dos poetas começa a permear toda a praça. No final, um deles é declarado vencedor, porém o clima de camaradagem entre os participantes permanece. Após a última rodada, há a interação entre os slammers, a tomada de fotos e a venda de livros dos autores que, entre amigos, conversam e discutem onde deverão aproveitar o resto da noite.


Todo esse ambiente é único. Nas palavras de Daniel Jones, slammer de Itapecerica da Serra, mais conhecido como DJohn, “Esse espaço, e todo espaço que é ocupado pelo slam, é necessário para o dia a dia, para sobrevivência da nossa humanidade, porque é aqui que a gente encontra respiro, desabafo e volta pra casa cheio de amor.” Midria da Silva Pereira, poeta, slammer e estudante de Ciências Sociais da USP comenta: “É nesses espaços onde a gente realmente vive um cenário um pouco mais próximo do que seria uma democracia. Você não precisa falar uma poesia nos moldes do slam, é um espaço onde você pode falar qualquer coisa.”


A poesia tem um papel fundamental na vida dessas pessoas. Por meio dela, conseguem expressar um universo interno e encontrar quem possa escutá-las. Essa poesia fala de experiências que não são apenas individuais, mas também compartilhadas, transformando o slam numa manifestação dessa coletividade e subjetividade interna dos poetas. DJohn fala que “quem não é visto não é lembrado. Eu posso abrir portas, atingir algo que nem havia sonhado. Ali eu conheci pessoas que reconhecem o trabalho”. Midria afirma que “quando eu escrevo, falo em primeira pessoa, mas estou falando de questões coletivas de racismo, de machismo, de questões de classe, direito à cidade por aí vai. É um espaço de auto-escuta e de escutar as outras pessoas e explorar essa subjetividade individual e coletiva.”


A poetisa Midria da Silva Pereira, finalista da edição, apresentando sua última poesia da noite. [Foto: Otávio Aguiar]


A edição 259 do Slam da Guilhermina também foi marcada pelo lançamento do livro “A Menina que Nasceu Sem Cor”, que se apresenta tanto como uma coletânea de poesias da autora Midria Pereira quanto uma versão infantil ilustrada, ambos tratando, cada um à sua maneira, de questões como miscigenação, colorismo, identificação da negritude e empoderamento da poetisa.


Além de servir como palco para lançamentos de trabalhos solo, o Slam da Guilhermina conta com uma coleção de oito livros publicados até o momento, e a nona edição já está sendo produzida. A publicação dos livros foi possibilitada por um projeto dos membros do Coletivo que, desde 2013, com apoio de editais voltados para projetos de cultura como o VAI (Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais) e o Programa de Fomento à Cultura da Periferia, tem realizado, de forma independente, curadoria, revisão, edição, e publicação dos trabalhos dos slammers vencedores de cada etapa do campeonato. As contribuições dos editais são fundamentais nesse processo pois, como coloca Cristina Assunção, “ajudam a nos mover.”


No entanto, sendo o slam uma forma de poesia oral, o processo de transcrição deve ser muito minucioso e tratado com esmero. Quando tomados os devidos cuidados para que não se altere a mensagem e o conteúdo dos trabalhos, Cristina acredita que, mesmo desprovida da energia, do grito, da tensão e de outras diversas sensações trazidas pelos poetas nas apresentações ao vivo, a poesia mantém o seu potencial de tocar e ativar o leitor. Para ela, a importância da divulgação e disseminação da cultura do slam é imensurável, pois “o slam atinge pessoas que eu não atingiria no meu dia a dia, chega em lugares que eu não chegaria.”


Sued Lima, professor e membro do projeto Slam Interescolar, comenta: “Eu acho que é muito interessante a gente sair do que é estabelecido como literatura e perceber que a literatura marginal também tem valor, principalmente [vinda] de alunos que são de lugares periféricos, que são pretos, que fazem batalha de rima. Eles conseguem perceber que no slam eles têm voz, são julgados e talvez tenham possibilidade de ganhar dinheiro e de progredir.” Cristina completa: “De ser artista”.


Nessa perspectiva, é importante entender que o Slam da Guilhermina não se trata apenas de um encontro de artistas, uma batalha de poetas ou um evento cultural em uma praça: o Slam da Guilhermina é também um espaço que concede a pessoas da periferia a possibilidade de expressar sua arte e expor suas ideias para além da fisicalidade e temporalidade do ser humano. Projetos como o Slam Interescolar e apresentações como o Encontro de Slams, que ocorreu durante a Bienal do Livro de 2022, contribuem para com a disseminação dessa forma de arte nas diversas esferas da sociedade e com a maior inclusão e sensação de pertencimento da população periférica, que tem sido abraçada pelo Coletivo desde o seu início.


Sobre o futuro do Slam da Guilhermina, Cristina espera “que esse campeonato de poesia falada se perpetue, porque é isso o que leva essa poesia e essa fala, não só dos decanos, mas que chega também nas escolas para que o jovem se sinta pertencente e protagonista e que possa mudar o mundo. É isso que a gente quer: mudar o mundo.”

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