“Nós temos muitas histórias para serem escritas, e só quem pode virar a página é cada um. Isso é processo de dignidade.”
Por Caroline Santana e Elaine Alves
[Reprodução/ Site da AAMAE]
Nas áreas mais periféricas da cidade de São Paulo, nem sempre a cultura, a educação e as políticas públicas chegam naqueles que mais precisam. Atualmente, muitas pessoas possuem uma visão extremamente mistificada em relação à periferia, que junto a uma iniciativa cultural concentrada nos centros urbanos priva a população periférica do acesso a oficinas e projetos culturais. Isso faz com que o terceiro setor tenha que tomar as "rédeas" daquilo que as organizações governamentais deveriam fazer em primeiro lugar. Em Suzano, com o desejo de levar essa oportunidade e alterar o curso do destino das comunidades periféricas da cidade, surgiu o projeto AAMAE (Associação de Assistência à Mulher ao Adolescente e à Criança “Esperança”). Esse projeto foi criado em 1999 por mulheres do bairro Miguel Badra Baixo, Suzano, ao perceberem as necessidades em sua comunidade, tanto das crianças, como dos adolescentes e adultos, e ampliou seus horizontes suportando também idosos e mulheres. Um dos principais projetos da Associação, voltado para o desenvolvimento socioemocional, se chama “Mentes Brilhantes”. Seu principal objetivo é oferecer à criança e ao adolescente um espaço lúdico e acolhedor onde possam se socializar fortalecendo a autoestima, cooperação, criatividade e afetividade. Esse projeto conta com oficinas de música, esportes e jogos, possibilitando o desenvolvimento de coordenação motora e estimulando a socialização.
“O projeto Mentes Brilhantes é o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos. Ele é um projeto com foco nas crianças e adolescentes entre seis e 17 anos, onde a gente trabalha os vínculos familiares, os vínculos comunitários, então ele é um projeto no qual nós desenvolvemos ações no espaço coletivo que trabalha o eu e o nosso, e de que forma a gente pode aplicar tudo isso lá fora. Então assim eu costumo dizer que é um projeto que é ‘a menina dos nossos olhos’, porque foi o nosso primeiro assim projeto oficial, em parceria, né? E ele já tem todo esse tempo de existência, então esse projeto tem mais mais de 20 anos e nós temos a alegria de ter pessoas que eram crianças do projeto e hoje são profissionais da AAMAE. E isso pra gente é resultado de trabalho e é muito importante”, conta Silvia Rangel, presidente e gestora da AAMAE.
[Reprodução/ Site da AAMAE]
Ainda voltado para as iniciativas culturais, há o projeto “Sementinhas”, que são creches comunitárias para as crianças da comunidade, nela eles desenvolvem independência, autonomia, aumentam suas percepções do próprio corpo e melhoram suas relações com o mundo em geral. “Nós trabalhamos com as crianças na área educacional, porém nós desenvolvemos um link de interdisciplinaridade com área social, porque nós somos uma instituição de assistência social no qual o nosso foco primeiro é esse, priorizamos. Se de cada 100 crianças, uma passar por toda essa mudança e tiver toda uma garantia, ali tem uma família, tem uma vida que vai multiplicar muitas outras”, afirma a presidente.
[Reprodução/ Site da AAMAE]
Processo de autonomia das mulheres em vulnerabilidade
O processo de autonomia das mulheres também não foge dos objetivos do projeto, onde eles desenvolvem oficinas de emancipação e autonomia, como uma forma de oferecer lazer e ao mesmo tempo técnicas para “criação” de renda, contam com cursos de panificação, costura, artesanato, para que ela não se torne dependente de uma renda “conjugal”, e tenha assim seu próprio dinheiro e uma certa independência. Não é somente a oportunidade de ter uma renda própria, mas também de tirar suas dúvidas em relação ao mundo, desenvolver pensamento crítico e cuidar da saúde mental. A mulher é desmistificada como um indivíduo que precisa ser totalmente voltado para a prole, é classificada como ser humano, que também precisa de independência, de lazer e de cuidados socioemocionais. “Elas me deram coragem de dar um passo à frente, se impor em certas coisas, falar não. Eu como mãe, falava mais sim do que não, a gente escuta muito não, mas a gente não consegue dar o não”, conta dona Lindinalva, participante das oficinas da AAMAE.
Lindinalva é uma mulher de 60 anos, mãe e autônoma. Com o projeto AAMAE, ela teve a oportunidade de experienciar verdadeira autonomia em muitos anos. A Associação abriu caminhos para que ela pudesse expandir seus conhecimentos, foi através de um dos projetos que ela realizou um curso de costura e foi incentivada a realizar um curso de microempreendedorismo, oferecido pelo Governo Federal, contribuindo e aperfeiçoando o seu trabalho como autônoma. A participante tem muito apreço pelas diretoras, considerando-as uma segunda família, segundo a senhora houve uma organizadora em especial que a marcou bastante, ainda relata: “Ela me deu um ‘sacode’ assim, sabe? Ela falou ‘você tem que viver pra você, você já fez o que você tinha que fazer para os outros, agora você tem que fazer pra você’.
[Reprodução/ Site da AAMAE]
Além disso, a AAMAE oferece atendimento jurídico, social e psicológico, dialoga com a população em geral sobre as questões ligadas à Violência Contra a Mulher, contribui para o acesso à orientação sobre a saúde sexual, reprodutiva e DSTs, capacita para a formação de cargos de liderança, multiplicando e expandindo a cidadania, direitos humanos, direitos das mulheres, e de gênero. Ainda, oferecem treinamentos, capacitações técnicas e socioemocionais, ações que fomentem a economia produtiva e a geração de renda. Outro ponto muito importante e que engloba a realidade de muitas mulheres brasileiras e os demais cidadãos, são as doenças psicológicas, como ansiedade, depressão e síndrome de burnout, pensando nesse aspecto, o projeto também trabalha com campanhas de prevenção ao suicidio e orientação sobre a depressão.
Esperança: uma oportunidade de recomeços para a comunidade
[Pintura na sede da AAMAE]
“Nós temos muitas histórias para serem escritas, e só quem pode virar a página é cada um. Isso é processo de dignidade. Você tem a oportunidade de recomeçar. Nós podemos mudar? Podemos. Então a gente fala isso com relação a violência, é uma coisa fácil? Não é. Só que nós estamos todos juntos no mesmo movimento, e a melhor forma da gente trabalhar isso é com amor e esperança. A gente vem de um pós-pandemia onde a palavra de ordem deve ser esperança, refazer”, afirma Silvia Rangel. A fala da gestora define bem a importância do incentivo cultural e da aplicação das políticas públicas para todos. A pandemia não foi algo fácil, foi um fator que privou aqueles já antes negligenciados, tornando-os praticamente invisíveis, mas que através de projetos como a AAMAE e muitos outros distribuídos por São Paulo, podem se sentir importantes, lembrados e ainda não se sentirem definidos pelo lugar do qual vieram, nascendo em si a esperança de poder crescer como cidadão, como profissional e como pessoa.
A Associação de Assistência à Mulher ao Adolescente e à Criança“Esperança”está localizada na Rua Hélio Guimarães Lanzas, 395 – Miguel Badra,Suzano, pronta para escrever novas histórias.
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