As nuances de uma realidade que passa despercebida pela sociedade
Pobreza menstrual é caracterizada pela falta de recursos básicos que impede o cuidado íntimo durante os períodos menstruais, como absorventes, infraestrutura, e mesmo a informação. No Brasil, esse fenômeno atinge milhares de mulheres e homens trans todos os dias, caracterizando um problema de saúde pública e violação dos direitos humanos.
Em média, a primeira menstruação da mulher ocorre aos 13 anos, e permanece até a menopausa, por volta dos 50. Segundo as projeções realizadas pelo (IBGE), cerca de 32% de brasileiras encontram-se nessa faixa etária. Portanto, por volta de 60 milhões de mulheres lidam com a menstruação todos os meses. Mas essa não é uma realidade tranquila para todas
De acordo com o IBGE, cerca de 2,8% da população brasileira não têm acesso a um banheiro exclusivo. Os índices são mais evidentes nas regiões Norte e Nordeste. Além disso, segundo o último Censo Escolar realizado pelo MEC em 2019, 3,5 mil escolas públicas não possuíam banheiros utilizáveis, visto que jovens passam cerca de sete anos de suas vidas no colégio, é um fator alarmante.
Os dados econômicos também merecem atenção. Em média, uma mulher gasta cinco mil reais em absorventes descartáveis ao longo da vida — considerando o pacote a R$5,00, e utilização de dois por mês durante 37 anos. No entanto, o IBGE estima que cerca de 13 milhões de brasileiros vivem na extrema pobreza -— renda média mensal de 150 reais — e as mulheres representam 7,2 milhões desse número, sendo 5,4 milhões negras ou pardas. Assim, uma mulher que vive nessas condições precisaria trabalhar cerca de 33 anos para conseguir comprar absorventes, o que se torna inviável. No fim, as alternativas acabam sendo a utilização de pedaços de tecidos, resto de roupas e jornais, que além de causar desconfortos e causar vazamentos, pode proporcionar a proliferação de doenças nas regiões íntimas, segundo ginecologistas.
Prejuízos à educação e economia
A pobreza menstrual também é um problema que afeta a educação e causa evasão escolar. Em uma pesquisa realizada no Brasil pela Always — maior marca mundial de produtos íntimos — constatou-se que 25% das entrevistadas já faltaram aula por não possuírem condições de comprar absorventes, e nas classes DE o número sobe para 33%. Considerando que os ciclos menstruais duram em torno de cinco dias, ao longo do ano letivo uma aluna pode faltar até 50 dias de aula. E nos casos onde as meninas conseguem assistir às aulas, o desconforto pela falta dos itens ideais, pode atrapalhar o aprendizado.
O assunto não é apenas uma questão de gênero, restrita a uma parcela da população, dados demonstram que afeta toda a economia do país. Os anos de estudo de um indivíduo são proporcionais à sua renda média. Mulheres que têm suas escolaridades prejudicadas têm rentabilidade menor, e consequentemente, o PIB nacional é atingido.
Desinformação e Tabu
A falta de higiene menstrual no Brasil está relacionada, em grande parte, também, aos tabus envolvidos nesse tema e a falta de informação. Menstruação é um fenômeno biológico natural inerente ao corpo feminino, não envolve poder de escolha, e foi reconhecido pela ONU, em 2014, como questão de saúde pública. O assunto, quando tratado apenas na esfera íntima, ou envolto de preconceitos e vergonha, limita a discussão e dificulta o amparo do Estado para todo o público desassistido.
Políticas públicas em São Paulo
No dia 14 de Junho, o governo do estado de São Paulo lançou o programa Dignidade Íntima, uma política que visa a distribuição de absorventes descartáveis para as alunas das redes estaduais , e que entrará em vigor a partir do segundo semestre.
Inicialmente o programa prevê o investimento de R$30 milhões de reais em produtos de higiene menstrual, e o dinheiro será repassado por meio do projeto Dinheiro Direto na Escola que possui um direcionamento mais rápido e menos burocrático. O programa será destinado a todas as alunas das escolas estaduais que estão em idade menstrual, mas priorizando, principalmente, as das classes mais vulneráveis.
A política é um dos projetos pioneiros no país relacionados ao combate à Pobreza Menstrual e um grande marco para o estado de São Paulo, mas ainda é insuficiente para englobar toda a problemática. A maioria das mulheres já passaram da fase escolar.
Girl Up Brasil
Girl Up é um movimento da Fundação das Nações Unidas que atua no mundo todo desenvolvendo projetos em prol da igualdade de gênero por meio de líderes e ativistas. No Brasil, o grupo lançou o movimento Livre Para Menstruar, que tem o objetivo de combater a Pobreza Menstrual no país. Até o momento, o projeto já aprovou leis em nove estados.
Ana Carolina, líder do clube Girl Up Brasil da cidade de Franco da Rocha, conta que o marco mais importante do movimento e o pontapé inicial para as demais conquistas foi a aprovação da lei 2667/2020, no Rio de Janeiro, que reduziu os impostos sobre absorventes no estado todo.
Ela também analisou os principais obstáculos dentro dessa luta: “Uma das maiores dificuldades é conseguir mostrar para as pessoas que estão no poder, sejam vereadores ou deputados, que esse tema tem importância e vale a pena ser discutido”. A líder ainda disse que o fato da maioria dos parlamentares serem pessoas que não menstruam impede o alcance da dignidade menstrual. Mas, Segundo a Ana, o grupo anda realizando treinamentos para desenvolverem novas formas de atingir ainda mais as esferas públicas
O grupo criou um relatório reunindo estudos sobre Pobreza Menstrual que pode ser acessado para quem tem interesse em se aprofundar na causa. Para colaborar com o movimento também é possível entrar no site Livre Para Menstruar e ajudar pressionando os deputados a respeito dos projetos de leis que ainda não entraram em vigor, além da divulgação do movimento e a participação nos clubes espalhados pelo Brasil.
Muito bom o artigo! Vou usá-lo em uma proposta de redação! Parabéns!
Excelente texto! Conciso e de uma dinâmica construtiva impecável. Parabéns pela reportagem!