Dos Estados Unidos à periferia de São Paulo: como o trap cresce e leva consigo a estética periférica.
Por Ana Júlia Maciel e Valentina Moreira
Comunicação Visual/ Ana Júlia Maciel
Por volta de 2010, o cenário da música independente começou a mudar. O rap, sucesso nos anos 1990 com os “Racionais MC”, perde sua hegemonia entre os mais jovens. Enquanto rappers de grupos minoritários emergem, tornando a denúncia social uma temática cada vez mais recorrentes, artistas que falam sobre dinheiro, mulheres, armas e drogas são deslocados para um novo gênero musical. É o início do trap brasileiro: a união entre a estética do funk ostentação, a preocupação com os versos do Rap e a cultura do lean (também chamado de Purple Drank), bebida à base da codeína que marca a cena do hip hop dos EUA. Música como performance
O gênero, que no início esteve restrito às festas alternativas, é hoje um dos que mais cresce. Evando César, ou Tio Evans, um dos pioneiros do trap nacional, conta que, no início da sua carreira, as pessoas não acreditavam que aquele tipo de música faria sucesso. Mas tudo mudou quando os trappers passaram a se apresentar em lugares como a Festa dos Bolivianos, evento conhecido entre os artistas que circulam na República, no centro de São Paulo.
Como explica Evandro, o trap é, antes de tudo, uma performance. Pregando ideias de prosperidade e familiarizados com o consumo de substâncias estimulantes, os cantores se destacam pela capacidade de envolvimento: se por um lado a música não agrada os ouvidos, é difícil ir a uma festa e não ficar fascinado.
[Vídeo: Reprodução/ Instagram]
Trap, estética, luxo e auto estima
Mas o trap não é só apresentações. Aos fãs, o estilo promete uma nova vida, defendendo a tese que “o sol brilha para todos”. É um extravasamento da própria música: o gênero representa uma nova visão de mundo, que influencia a maneira de agir e vestir dos jovens.
As tranças, as tatuagens e as roupas largas, contribuem para reafirmar a estética negra e periférica, que remontam às origens dos artistas. As correntes e as marcas luxuosas, por sua vez, simbolizam a ascensão financeira de vidas que encontraram nas rimas um espaço para ecoar a sua voz. Nesse sistema, os produtos ganham destaque por explicitar o sucesso.
[Imagem: Reprodução/ Instagram] Assim, o trap rompe com o rap dos anos 1990. Ao invés de se prender às dificuldades do passado, o trapper quer curtir o momento distante dos problemas sociais. A ostentação, o uso de drogas, as mulheres e as armas são, dessa forma, aspectos fundamentais, pois constroem um espaço de poder, que não pode ser limitado pelas leis e regras sociais.
Mas qual seria a importância dessa estética para as pessoas negras? Segundo Alex Ribeiro, sócio do Cena (marca de entretenimento responsável pelo primeiro festival de trap do Brasil), ela é muito benéfica para a autoestima. A representatividade, ou seja, se ver nas pessoas de sucesso, faz bem para os jovens pois eles encontram um estilo que os engloba. Não é mais preciso importar referências: conseguem se sentir bonitos como são.
[Imagem: Reprodução/ Instagram]
A mesma opinião é compartilhada por Richard Sanchez (também identificado como Robzz), fã do gênero musical. Para ele, mesmo que as marcas não sejam acessíveis, ter uma referência parecida com você já é um avanço. Assim, ter orgulho de seus traços, cabelos e origem social é uma conquista que teve participação do trap.
Os desafios pela frente
No entanto, nem tudo são flores. Mesmo que o trap tenha nascido na comunidade negra, o mercado ainda é racista. Sobre isso, Tio Evans, músico, produtor parte da Sixface Mafia, diz que quem mais o procura para gravar discos são “meninos brancos, ricos e com o rosto tatuado”. É comum que esse público simule experiências de pobreza e de discriminação para construir um vínculo com estilo. Mesmo com “experiências fabricadas'', Alex conta que muitos artistas brancos continuam ganhando e se destacando mais, em razão da segregação da indústria da música, que reflete a realidade social discriminatória.
Além disso, Richard vê mais problemas no mercado. Ele acredita que o público também deveria apoiar artistas menores, pois ampliar o número de músicos deixaria o trap mais concreto no Brasil, assim como é o Funk.
Em nossa conversa com membros do Cena, eles deixaram claro que não compactuam com tal forma de mercado. Inclusive, para irem contra essa lógica, estão em busca de novos talentos para adentrarem o mundo do trap. Nesse sentido, Tio Evans também é uma referência. Além de já ter produzido artistas a baixo ou nenhum custo, ele participou do lançamento de nomes como Rafa Moreira, um dos responsáveis pela viralização do gênero nacionalmente.
“É tudo uma questão de tempo”
O que esperar para o futuro do trap? “É tudo uma questão de tempo”, disse Alex. O estilo musical cresceu muito, já que as novas gerações, ligadas à internet e às redes sociais, estão mais expostas à estética futurista que o caracteriza. Dessa maneira, muitos artistas passam a usar traços do gênero para agradar o público. É o caso da Ariana Grande, em “Positions”, que o mesclou com suas músicas pop.
Para aqueles que apreciam o estilo, não há outra explicação:
“O trap é o futuro.”
Eles acreditam que esse vai crescer e modificar os comportamentos e as criações culturais. É fato e já está acontecendo: a música está alcançando sua própria estética visual e a disseminando para outros núcleos, como o pop, a moda e até o design gráfico.
[Imagem: Reprodução/ Pinterest]
[Imagem: Reprodução/ Pinterest]
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