top of page
  • Guilherme Valle, João Vitor Dall’ara e Leonardo Vieira

O sonho de ser jogador de futebol

Atualizado: 17 de dez. de 2021

Projetos sociais esportivos ajudam jovens através do pertencimento e do aprendizado


Por Guilherme Valle, João Vitor Dall’ara e Leonardo Vieira

[Imagem: Guilherme Valle]

No dia 13 de novembro de 2021, ocorreu um festival de futebol entre escolinhas e projetos sociais no Jardim São Remo. Muitas crianças sonham em ser jogadores de futebol, e o processo de aprendizagem começa muito cedo. Entretanto, existem diversos desafios a serem superados por esses jovens.


O Brasil é o país do futebol. O esporte capaz de mover multidões e ligar pessoas de diferentes realidades é o mais praticado em solo brasileiro, mas a sua importância também está muito além do campo e da bola. O futebol é uma manifestação cultural e uma ferramenta social presente em milhões de vidas em todo o país.


Grandes exemplos dessa presença são os projetos sociais que existem aos montes e dão vida ao país que respira futebol. Nas periferias, o contato com o esporte é fundamental para direcionar os jovens e fazer com que eles façam parte de algo. O pertencimento e a função pedagógica são as grandes bases que sustentam esses projetos.


A identificação e a cumplicidade servem como meio de inclusão para muitos garotos e garotas, já que suas participações são importantes para algo maior. Os projetos sociais também funcionam como um complemento do que é a escola, em que os jovens são educados e tiram lições todos os dias, seja individualmente ou em grupo.


Além disso, o futebol pode ser visto como um foco para muitas crianças e adolescentes, afastando-os das ruas e situações perigosas das quais eles podem ser levados. Dentro do campo ou junto dos colegas, os problemas externos parecem acabar e a felicidade domina quando a bola rola.



Jovens atletas


“O meu maior sonho é conquistar a carreira de jogador e ser feliz na vida”.

Essas são as palavras de Nicolas, de 11 anos, atacante da escolinha do Corinthians do Rio Pequeno (zona oeste da cidade de S. Paulo).


O jovem Nicolas [Imagem: Guilherme Valle]

O sonho de Nicolas é compartilhado por milhares de outros jovens atletas em todo Brasil. Mas o caminho para se tornar jogador não é fácil e exige muito treino, dedicação e oportunidades, que nem sempre chegam para todos.


Os projetos sociais incentivam e dão condições para meninos e meninas praticarem o esporte amado por todos. Esses projetos, muitas vezes, são a porta de entrada para a realização de sonhos, sobretudo no Brasil, em que grandes ídolos e jóias surgem das periferias. No entanto, a intenção dos projetos sociais não é formar

somente atletas, e sim pessoas.


O jovem fala um pouco sobre a sua experiência em projetos sociais ligados ao futebol: “Eu gosto, jogo desde os meus oito anos. Comecei em outra escolinha do Corinthians e agora estou nessa. É bem legal”.


A formação social dos jovens é de suma importância nas escolinhas, o futebol é visto antes como ferramenta de inclusão, pertencimento e aprendizado para depois ser tratado de uma maneira mais profissional. Esse tratamento deve ser realizado com muito cuidado pelos pais e treinadores das crianças e adolescentes, sem pular etapas ou gerar pressão excessiva em potenciais atletas.


Uma das grandes dificuldades é conseguir conciliar os treinos e jogos com as atividades escolares e possíveis trabalhos, considerando as categorias mais velhas. O cuidado deve ser grande para que os jovens não abandonem a escola durante a busca pelo sucesso no futebol. A educação é fundamental, principalmente pela formação social, mas também para manter outras possibilidades abertas caso não siga a carreira de atleta, o que é o mais provável.


As dificuldades financeiras também são um desafio para muitos jovens continuarem no futebol, seja por não poderem pagar ou por precisar trabalhar para ajudar a família.

O primeiro caso evidencia a necessidade dos projetos sociais, que são gratuitos e não cobram mensalidade. Já a segunda situação é mais delicada e retrata a necessidade de mais atenção para a periferia, em que jovens têm que abrir mão de seus sonhos para conseguir sobreviver.


Outro problema identificado na formação de jogadores é a pressão desproporcional exercida nos jovens. Muitas vezes, o futebol surge como um dos únicos meios de ascensão socioeconômica para muitas famílias, que depositam toda a sua esperança nos pés de crianças e adolescentes.


O esporte é ingrato e muitos carecem de oportunidades ou não conseguem atingir o nível esperado, e a pressão prejudica o psicológico dos jovens, que se doam por completo em algo que pode nem ser o seu maior desejo. Nesses casos, os projetos sociais aparecem novamente, já que neles o importante é praticar o esporte, trabalhando a carreira profissional como consequência.


As escolinhas e projetos sociais promovem o primeiro contato com o futebol para meninos e meninas que desejam apenas se divertir, mas também para os que sonham em viver do esporte. O cuidado com os jovens e a oportunidade que esses projetos proporcionam é imprescindível e capaz de mudar vidas.


As portas estão abertas para a formação social e construção de caráter dos jovens, como também para sonhos como o de Nicolas: “Na conquista de um de um dia ser profissional, para poder orgulhar a família”.



A importância do professor


A trajetória para atingir o sonho é longa, e a presença de um professor ajuda muito para que as crianças tenham alguém para apoiá-las e incentivá-las a manter a disciplina e a correr atrás do sonho de se tornar um jogador profissional. Em entrevista ao Central Periférica, o professor de educação física Cássio Pereira fala sobre a importância dos projetos sociais e de como é trabalhar com esses jovens.


Cássio trabalha na escolinha do Corinthians, na comunidade do Rio Pequeno, junto ao projeto com a WPN Esportes, mas também atua em projetos sociais no Jardim São Jorge, desde 1995. Entre os principais motivos para participar, o professor conta que “o trabalho é gratificante, porque se vê o desenvolvimento da socialização da criança, que não se sente mais excluída, mas fruto do meio. Esse é o intuíto”.



Professor Cássio Pereira [Imagem: Guilherme Valle]

Entretanto, devido à enorme desigualdade social no país, há uma disputa muito grande para seguir a carreira. Assim, os professores precisam mostrar que há outras possibilidades. “Eu vejo isso como uma linha tênue, bem fina, entre conseguir trabalhar esses sonhos e mostrar outras possibilidades. Falar que não é só o futebol e que existe o estudo e a família, e os três andam juntos”, comenta o professor.


Nesse sentido, vale destacar também a diferente abordagem entre as escolinhas pagas e os projetos sociais nesse processo de “vender sonhos”, como o professor comenta: “Nas escolinhas pagas, vamos incentivando as crianças, mas e quando o dinheiro acaba? Acabou o sonho? É complicado. Por isso que os projetos sociais ajudam muito, não é preciso ter dinheiro para jogar ou brincar”.


Cássio comenta que essas barreiras sociais e financeiras são o principal desafio da profissão. “Quando a criança sai de uma escolinha de futebol e vai para um projeto social as portas estão abertas”, mas o processo contrário é mais complicado, pois a criança “sente uma diferença social muito grande”.


O professor também comenta outras dificuldades, como quando os pais perdem o emprego e tiram a criança da escolinha, e às vezes não conseguem voltar ao projeto social por não haver mais vagas ou quando se mudam e não há possibilidade de praticar o esporte na região. Então ver “o choro da criança que não pode mais praticar o esporte que gosta” é o fator mais complicado da profissão.


A relação com os pais das crianças é outro fator de destaque. Cássio conta que há dois lados dessa questão, o primeiro é “o jogador frustrado”. “Isso acontece bastante nas comunidades: O pai espera no filho um sonho que ele tentou realizar e não conseguiu, tanto financeiro quanto esportivo. E a pressão em cima da criança é complicada, porque a criança se vê como base e fator predominante do sucesso da família, e não deveria ser assim, ela deve brincar por brincar”, comenta.


Além disso, essa pressão excessiva pode gerar até alguns problemas físicos como o “overtraining , quando se treina demais e acaba se lesionando”. E o professor destaca que a criança sofre “em busca de um sonho que às vezes não é nem do filho, é do pai”.


Do outro lado da moeda, há os pais que não acompanham a caminhada do filho. Cássio destaca que “outro fator é aquele que os pais não acompanham. Várias vezes no futsal e no campo, os filhos saem de manhã para jogar e os pais nem sequer ligam para saber onde o filho está. Então muitas vezes os filhos são deixados à própria sorte, e se o pai ou a mãe não acompanham, outras pessoas adotam, e podem cair no azar de encontrar pessoas ruins”.


A família


O sonho de ser jogador é o que leva as crianças a procurar o futebol, ajuda também o fato de que muitas famílias acompanham o esporte. Leandro, pai do Nicolas e morador do Rio Pequeno, conta que a iniciativa de começar no futebol foi algo compartilhado: “Partiu de nós dois. Ele tinha bastante vontade, com oito anos já começou na escolinha do Corinthians e está na luta até hoje ”. Mas para os pais o que faz valer o sacrifício é mesmo a chance de ocupar o tempo da criança de uma maneira educativa, sempre mantendo a prioridade na escola: “Em primeiro lugar a escola. Nós sempre o incentivamos. Graças a Deus ele está bem nos estudos! O esporte vem depois.”


Como é difícil conseguir estar o tempo todo próximo dos filhos, o futebol também representa uma segurança para os responsáveis, que passam a ter a certeza de que seus filhos não estão na rua, como relata Leandro: “É muito importante pela situação do país hoje. Poder tirar a criança da rua e sempre praticar esporte, em que a base é a educação e o respeito pelo próximo”.


O dia-a-dia dos treinos e competições é intenso, já que na maioria das vezes todos os adultos da casa têm de trabalhar. Por isso é necessário se desdobrar para que a criança possa jogar futebol. Emerson, morador da comunidade do Sapé, conta que só consegue acompanhar os jogos: “ Eu acompanho mais no final de semana. Quem acompanha o dia-a-dia dos treinamentos é a mãe dele”. Mesmo assim, às vezes é difícil chegar em alguns campos: “É complicado por ter que jogar fora. Há alguns bairros que são bem distantes para levarmos, mas temos que correr atrás e incentivar as crianças”.



Emerson com a esposa e os filhos [Imagem: Guilherme Valle]

Um ponto em comum entre os dois familiares entrevistados é que o pai também ressalta a importância do estudo e que o esporte é mais do que o sonho, é um espaço de educação e uma maneira de ocupar o tempo da criança de uma maneira saudável: “Primeiramente o estudo. Hoje o futebol é um incentivo para tirar um pouco as crianças da rua. Futebol é esporte e educação. Então temos que incentivar bastante”.

3.683 visualizações2 comentários

Posts recentes

Ver tudo

Quadras de S. Paulo são inseguras para 82% da população

Pesquisa sobre espaços para prática esportiva revela insatisfação com segurança, qualidade e escassez de opções Por Gabriela Cecchin, José Adryan, Joseph dos Santos, Luíse Silva, Luiza Miyadaira, Taua

bottom of page