Museu das Favelas: arte e resistĂȘncia
- iniciacaoaojornali
- 15 de jun. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 18 de jun. de 2023
Conheça o Museu das Favelas, onde a história é contada por aqueles que foram silenciados pela memória brasileira
Por LĂvia Uchoa, Isabella Gargano, JoĂŁo Chahad e JĂŽnatas Fuentes, Gabriel Reis e Renan Affonso

[Imagem: Arquivo pessoal/ LĂvia Uchoa]
Localizado no centro de SĂŁo Paulo, o Museu das Favelas Ă© o primeiro a trazer a histĂłria, protagonismo e representatividade das periferias em um palĂĄcio clĂĄssico ao estilo europeu. O museu, que estĂĄ no seu primeiro ano, Ă© aberto a todo o pĂșblico de terça a domingo das 9h Ă s 17h, com entrada gratuita.
HistĂłria do museu
O PalĂĄcio dos Campos ElĂsios estĂĄ localizado em um bairro homĂŽnimo Ă fundação, na Avenida Rio Branco, 1269. O nome da regiĂŁo, âCampos ElĂseosâ advĂ©m do famoso bairro parisiense, o Champs-elyseĂ©s e foi projetado para ser a morada da elite cafeeira paulistana.
O arquiteto designado para a construção do palacete foi o alemão Matheus HÀusler, em 1890, o mesmo criador do Viaduto do Chå, também no centro paulistano. A obra serviu de moradia para o cafeicultor Elias AntÎnio Pacheco e Chaves, que pediu por uma estética renascentista francesa.
JĂĄ em 1911, o palĂĄcio foi vendido ao Estado, que o usou como residĂȘncia para diversos polĂticos e governantes do Brasil e do estado de SĂŁo Paulo. O lugar jĂĄ sediou diversas ocupaçÔes de manifestantes, deposição de lĂderes e atĂ© bombardeios, fatos que transformam o local em uma grande ĂĄrea de tensĂŁo.
O palĂĄcio sofreu com um grande incĂȘndio, que deteriorou parte da sua fundação. Na dĂ©cada seguinte, o local foi tombado como patrimĂŽnio histĂłrico, ato que evitou a demolição desejada pelo governo paulista. Em 2004, o Campos ElĂseos recebeu um projeto de restauração, que foi finalizado somente em 2017.
AtĂ© abrigar o Museu das Favelas em 2022, o PalĂĄcio foi sede de diversas secretarias de Estado, morada de polĂticos e de cafeicultores. O prĂłprio bairro, que foi planejado para a mais alta elite econĂŽmica paulistana, experienciou diferentes grupos sociais.
Mas por que escolher o palĂĄcio para a moradia da cultura das favelas? O prĂłprio local foi escolhido como uma forma de ocupar a sociedade com as tradiçÔes das periferias. A escolha do palĂĄcio dos Campos ElĂseos, sĂmbolo do governo e da elite que oprimem as favelas, surge como uma manifestação em si. O museu transformou um monumento elitista em um fenĂŽmeno para mais de 17 milhĂ”es de favelados atualmente, e outros milhares na histĂłria de construção do paĂs.
Favela-Raiz: a identidade periférica
No primeiro andar sĂŁo sediadas as exposiçÔes temporĂĄrias, tendo jĂĄ recebido como primeira exposição do museu a comemoração de 20 anos da âFeira Pretaâ, evento tradicional organizado pela empreendedora Adriana Barbosa. O espaço Ă© destinado para preservação, produção e comunicação das memĂłrias e potĂȘncias criativas das favelas brasileiras.
Atualmente estĂĄ instalada a exposição âFavela-Raizâ, uma ocupação- manifesto que trata sobre a formação da identidade das pessoas relacionando com ancestralidade, gĂȘnero e força de trabalho.
Com uma expressiva e colorida obra de crochĂȘ de Lidia LisbĂŽa na entrada do edifĂcio, encontra-se em seguida a exposição audiovisual VisĂŁo PerifĂ©rica. "Entre, fique Ă vontade. O PalĂĄcio agora Ă© seu, Ă© nossoâŠâ, frase escrita no totem da exposição realça o contraste dos sons e imagens do cotidiano da favela que sĂŁo projetados na arquitetura elitista do local.

A exposição audiovisual retrata a pluralidade das periferias [Imagem: Arquivo pessoal/ LĂvia Uchoa]
Ao fim do passeio no espaço interno hå uma exposição sonora interativa sobre a beleza na favela, com grandiosos espelhos na parede que permitem a reflexão sobre o que é belo e como o bonito hoje em dia tem espaço para a pluralidade da favela.
A biblioteca
O Centro de referĂȘncias, pesquisa e biblioteca das favelas (CRIA) Ă© o espaço que o museu dedica Ă pesquisa e acervos de obras relacionadas Ă favela. âAs bibliotecas pĂșblicas nĂŁo chegam Ă s periferias", declarou Sidnei Rodrigues, bibliotecĂĄrio responsĂĄvel pela curadoria. Para ele, a biblioteca do Museu das Favelas tem como objetivo aumentar o acesso Ă informação ao construir uma base de dados e obras diversas que conversam com as periferias.
O espaço gera um sentimento de identificação com o visitante. AlĂ©m de especialistas, o acervo foi escolhido com a ajuda do pĂșblico, que por meio do Instagram sugeriram obras e autores que gostariam de ter na biblioteca. A partir dessas sugestĂ”es, Sidnei explicou que foi feita uma seleção de livros que resultou em um rico acervo de autores que moram nas favelas e pesquisadores da ĂĄrea. "O coração desse acervo Ă© a colaboração", contou o bibliotecĂĄrio.

As placas que compĂ”em a biblioteca foram feitas pelo artista plĂĄstico Hugo Cacique, inspirada na obra dos Racionais Mc's [Imagem: Arquivo Pessoal/ LĂvia Uchoa]
AlĂ©m das obras disponĂveis para leitura no local, o museu inaugurou, no dia 6 de junho, uma sala de estudos aberta ao pĂșblico. TambĂ©m estĂĄ em andamento o projeto de emprĂ©stimo de livros do acervo, o que tornaria a biblioteca do Museu das Favelas a primeira a emprestar livros para os visitantes.
Projetos e açÔes sociais
O esforço para viabilizar que obras culturais de favela acessem o Museu com maior facilidade também é notado na criação de projetos como o Favela Ocupa. Através dele, organizadores de produçÔes culturais relacionadas às favelas e periferias podem enviar novas propostas para o Museu, que por sua vez selecionarå a produção a ser exibida por meio da concessão de um espaço ou aporte financeiro.
A anĂĄlise das propostas Ă© feita mensalmente pelo ComitĂȘ Interno, com retorno previsto para atĂ© 60 dias apĂłs o envio. Podem ser cadastradas diversas instalaçÔes, como intervençÔes teatrais no jardim â que fica Ă entrada do edifĂcio, pela entrada da rua Guaianases â, lançamentos de livros, saraus, apresentaçÔes, entre outras.

Recados escritos pelos visitantes [Imagem: Arquivo pessoal/ LĂvia Uchoa]
Por ser localizado no centro da cidade, o acesso ao museu por parte dos moradores das favelas Ă© difĂcil. Pensando nisso, foi criado o Passaporte das Favelas. As pessoas que moram nas regiĂ”es mais afastadas podem agendar uma visita em grupo, com trajeto gratuito via ĂŽnibus. Segundo Sidnei, o pĂșblico das favelas tem o direito de ter acesso ao que lhes representa. âO nosso foco sĂŁo as favelas e as periferias", pontua.
Para a melhor estadia dos que permanecerem no local por longos perĂodos, hĂĄ tambĂ©m um projeto futuro de instalaçÔes de lojas que vendem produtos de favela, como roupas e livros. AlĂ©m da abertura de um restaurante, jĂĄ que atĂ© o momento o local conta com apenas um food truck no jardim.
âTodos os nossos fornecedores e tudo que vocĂȘ estĂĄ vendo aqui sĂŁo de favela. Inclusive a equipe, que Ă© bem eclĂ©ticaâ, observa Sidnei. O pĂșblico que frequenta o museu tambĂ©m Ă© diverso, variando de crianças, jovens, adultos brasileiros atĂ© grupos de turistas internacionais.
Atualmente, o foco estĂĄ no projeto da exposição permanente no segundo andar, que atualmente passa pelo processo de curadoria. A previsĂŁo Ă© que o espaço seja aberto ainda esse ano. A programação de junho, que jĂĄ estĂĄ disponĂvel, foi inspirada no MĂȘs do Orgulho LGBTQIAPN+.

Um dos elevadores do edifĂcio que dĂĄ acesso ao segundo andar. [Imagem: Arquivo pessoal/JĂŽnatas Fuentes/Central PerifĂ©rica]