A fome afeta agora 33 milhões de brasileiros e as crianças que sofrem com ela podem ter sequelas por toda a vida
Por Maria Trombini e Thaís Moraes
Uma pesquisa realizada pela Rede Penssan e divulgada no site Olhe para a Fome em 1º de junho informa que 33,1 milhões de pessoas passam fome no Brasil atualmente. O número, que cresceu em 14 milhões desde 2020, vem se agravando a cada dia. Com a pandemia e o aumento de preços dos alimentos nos últimos dois anos, cada vez mais famílias encontram dificuldades em comer bem.
Segundo a nutricionista Viviane Vieira, “boa parte desses 33 milhões é composta de famílias com filhos menores de 18 anos”. Nesse cenário, as crianças sofrem mais do que os adultos. Elas têm necessidades diferenciadas quando se trata de alimentação, e as consequências que enfrentam podem durar a vida toda. Mais do que apenas a perda de peso, a insegurança alimentar na primeira infância tem outra cara: vulnerabilidade, complicações crônicas de saúde e um futuro incerto.
O que é a insegurança alimentar?
Um indivíduo em estado de segurança alimentar e nutricional é aquele que possui acesso pleno e regular a alimentos em quantidade e de qualidade que satisfaçam as necessidades do seu organismo, sem que nenhuma outra necessidade básica seja comprometida. Viviane ainda ressalta que "as práticas alimentares promotoras de saúde devem respeitar a diversidade cultural, além de serem econômica e ambientalmente sustentáveis”.
De acordo com dados da FGV Social, cerca de 36% da população brasileira estava em estado de insegurança alimentar em 2021. As mulheres são as mais afetadas: quase 47% da população feminina do país não se alimentou adequadamente no ano passado.
A situação fica ainda mais complexa ao analisar os lares como um todo. As crianças afetadas, principalmente aquelas que se encontram na primeira infância, como explica Viviane: “A criança tem uma necessidade de nutrientes que é proporcionalmente maior do que a de um adulto. A primeira infância é uma fase muito importante de desenvolvimento, em especial os dois primeiros anos de idade.”
Como ela se manifesta?
Muitos imaginam que uma criança mal nutrida é apenas aquela abaixo do peso ideal. No entanto, essa ideia é enganosa. Viviane Vieira explica que, em se tratando das crianças, as consequências mais comuns da insegurança alimentar são problemas de crescimento, dificuldades no desenvolvimento ósseo e a falta de vitaminas. Há, também, um sintoma que desperta menos a atenção: o ganho de peso.
“Pensando em custos e acesso,” explica Vieira, “quando há uma situação de diminuição de renda, as pessoas tendem a consumir menos os alimentos perecíveis e mais os industrializados. Frutas e legumes, por exemplo, são trocados por salgadinhos, biscoitos e embutidos.” Os alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares e gorduras, são pobres em outros nutrientes essenciais para o processo de crescimento, o que pode resultar em excesso de peso e, ao mesmo tempo, subnutrição.
[Imagem: Divulgação/McDonald’s]
Nesse sentido, as propagandas de alimentos ultraprocessados representam um grande obstáculo para a educação alimentar. Esses produtos são muitas vezes associados a brinquedos ou personagens de desenhos animados, fazendo grande apelo às crianças e introduzindo hábitos alimentares prejudiciais. Segundo Viviane, até os dois anos de idade “a principal preocupação dos pais deve ser oferecer grande variedade de alimentos in natura e aqueles pouco processados, e também incentivar na criança uma ter uma boa relação com a comida”
Ações de combate
A Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) conta com diversos programas direcionados a combater a fome e a insegurança alimentar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ações de apoio à Educação Alimentar e Nutricional.
Para as famílias de baixa renda, as escolas desempenham um papel fundamental, como explica a nutricionista. “As escolas têm um papel duplamente importante: é um espaço em que a criança tem direito à alimentação, então para muitas famílias que passam dificuldade, a escola é a única a atender as necessidades nutricionais da criança. E, também, ela tem o papel de promover a educação alimentar e nutricional: discutir sobre a alimentação saudável, sobre a publicidade infantil. São temas que podem ser discutidos em diversas disciplinas, desde ciências, educação física e até português.”
A boa relação com a comida também pode, e deve, ser incentivada desde o berço. Para os pais, existem alguns artifícios que podem ajudar na inspiração, planejamento e execução das ações dentro de casa, como grupos ou perfis em redes sociais. A página da nutricionista Franciele Loss possui várias orientações sobre como abordar a introdução alimentar de modo responsável e saudável.
[Imagem: Reprodução/Instagram @bebedenutri ]
Também é possível consultar o Guia Alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos, elaborado pelo Ministério da Saúde.
O futuro
A insegurança alimentar é, além de uma questão urgente e imediata, um problema para o futuro. As crianças que hoje não têm uma alimentação adequada serão adultos com saúde deficitária, incapazes de desenvolver plenamente seu potencial na sociedade. Conforme detalha Vieira, “a boa nutrição nessa fase é essencial para que no futuro ele seja um adulto que produz, que não irá sobrecarregar o sistema de saúde”.
Além disso, a nutricionista também aponta que investir na segurança alimentar é atuar diretamente em uma das causas da desigualdade social. Recebendo alimentação adequada, as crianças têm maior rendimento escolar, melhor socialização e menos chances de recorrer ao trabalho infantil. “Não temos noção do cenário futuro dessas crianças que hoje são privadas da segurança alimentar,” diz Vieira, “mas tende a ser um cenário bastante grave”.
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