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  • Adrielly Kilryann, Ana Paula Medeiros e Mariana Carneiro

Funk: da marginalização à resistência

Em meio a ascensão e reconhecimento internacional, o gênero ainda sofre com preconceitos e tentativas de criminalização


Por Adrielly Kilryann, Ana Paula Medeiros e Mariana Carneiro

[Imagem: Reprodução/Flickr]

“É som de preto, de favelado

Mas quando toca ninguém fica parado

O nosso som não tem idade,

Não tem raça e não tem cor

Mas a sociedade pra gente não dá valor

Só querem nos criticar, pensam que somos animais”


- Trecho do funk “Som de Preto”, da dupla Amilcka e Chocolate.


Não é novidade que elementos culturais provindos das periferias sejam vistos com maus olhos, e com o funk não foi diferente. Apesar do gênero musical ter se popularizado e alcançado relevância internacional, dentro do próprio Brasil ainda existe uma tentativa de repúdio e criminalização à tal manifestação artística.


Bruno Ramos, Articulador Nacional do Funk e integrante do Coletivo Funk no Poder, explica que esse problema tem um longo histórico associado ao racismo estrutural e institucional: “qualquer forma de manifestação vinda das periferias vai ser criminalizada, porque isso é controle dos corpos, essa dominação do Estado de não permitir que o outro seja diferente dele e que possa também disputar desses espaços de autonomia financeira e de comunicação”.


Para ele, a mídia hegemônica possui um papel fundamental na perpetuação desse comportamento preconceituoso e nocivo. De modo semelhante, Tamiris Coutinho, autora do livro “Cai de boca no meu B*c3t@o" e também integrante do Funk no Poder, complementa: “a mídia ainda mantém no imaginário social esse personagem do ‘jovem negro vagabundo que é traficante, usuário de drogas, que causa desordem’”.


A funkeira comenta que esses estereótipos são também motivações para a implicância com os conteúdos das letras. Diferente de outros estilos musicais, o funk comumente é julgado por tratar explicitamente de temas como sexo, drogas e crimes. “Se as pessoas se incomodam mais pelas letras que os nossos artistas fazem e produzem dentro do movimento funk, é porque não conhecem nem de perto a nossa realidade”, comenta Ramos, “também devemos saber que a música não é manual de comportamento ético”.


Funk como estilo de vida


Em entrevista ao Central Periférica, a coreógrafa e dançarina Bruna Paoli destaca a importância do funk não apenas como ritmo, mas como um movimento cultural que traduz a realidade brasileira: “desde os anos 1980 o Brasil teve um cenário político com muitas mudanças, e com certeza o funk ajuda a contar essa história. Ele não é um estilo musical, e sim um estilo de vida”.


Além disso, Paoli compartilha da opinião de Ramos e conta que a desvalorização do funk é estrutural. “O funk não recebe incentivo nenhum do nosso Estado e nossas prefeituras porque não há interesse em mantê-lo. Não interessa às estruturas de poder que pessoas marginalizadas tenham um discurso”, diz a dançarina. Para ela, no entanto, a capacidade do funk de resistir em meio ao descaso do governo e de parte da sociedade é um indício de sua potência: “deve assustar bastante você ver um movimento que tentam calar de todas as formas só crescer e se fortalecer”.


Tal resistência, para a dançarina, vem da organização e da persistência das próprias comunidades. “A melhor maneira de resistir é criando estratégias para que essa cultura possa ser preservada, mantendo desde os bailes até a gravação de discos, aulas e o surgimento de produtoras”, reflete Paoli, embora admita que a falta de apoio institucional dificulta essa possibilidade. “É um cenário bem utópico, porque o movimento se sustenta de forma completamente autônoma”, completa.


“Citando o próprio funk, ‘é som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado’. É um ritmo extremamente contagiante, e que ajuda a colocar pra fora uma série de coisas que a gente não consegue traduzir em palavras, mas consegue traduzir dançando, cantando, tocando”, finaliza a dançarina.

[Imagem: Reprodução/Flickr]

A ascensão social e o embranquecimento dentro do funk

Com a popularização do funk para além das periferias, ele vira um instrumento de ascensão social para artistas advindos das comunidades. “A favela venceu” é uma frase popularmente utilizada para se referir a MCs que conseguiram dinheiro e fama com o seu trabalho e que servem como inspiração para os cantores menores e até independentes, os quais enxergam, a partir dos maiores, outras alternativas de vida dentro das periferias.


No processo de difusão do funk para uma camada maior de pessoas, é comum que o estilo musical sofra algumas modificações em sua essência. Essas modificações podem se dar como uma “limpeza”, em que palavrões são alterados para outras palavras consideradas mais leves e que encaixam na letra e na melodia. Ramos diz que isso acontece quando o funk atinge a elite: “o funk tem sido levado para as grandes casas de shows e não mais somente para a periferia, justamente para o interesse desses brancos de classe média que passaram a se interessar pelo ritmo”.

Outra modificação é a troca de letras que retratam as lutas dos moradores de bairros marginalizados por letras que se concentram no estilo de vida de MCs conceituados ou no do próprio artista. Nesse sentido, o funk ostentação, surgido em 2008 e muito propagado em 2013 por cantores como MC Guimê, MC Gui e MC Daleste, fortalece o desejo de seguir na carreira musical do funk.

"Por que ele [o funk ostentação] passa a ocupar os meios de grande veiculação? Porque ele começa a falar da lógica do consumo. Tá falando de bebida, tá falando de roupa, tá falando de carro, de mansão. Como assim? Como que um grupo de jovens periféricos começou a falar desse lugar do consumo?”, reflete Ramos. "Isso não é negar que essas pessoas possam [ostentar], mas o perigo está na forma de comunicação e como isso tomou projeção dentro desses veículos que nos negaram historicamente”, complementa.

Para o ativista, deve haver uma maior conscientização do embranquecimento proporcionado pelas grandes mídias sobre o funk por parte dos MCs que estão em destaque: “quando esses jovens ascendem artisticamente, não quer dizer que eles também vão ter ainda um compromisso social com a própria base, que é a ideia que a favela venceu. Isso é uma lógica liberal, e ela é perigosa para nós. A gente tem que mostrar os caminhos, as ciladas que o capitalismo nos coloca”.

Por fim, Ramos defende a formação de funkeiros e funkeiras com o pensamento de lutar para cuidar do movimento, a fim de que ele não se perca ao ser embranquecido e apropriado pela camada mais branca e rica da sociedade, por interesses econômicos e de dominação. Em sua visão, a periferia precisa fazer resistência com os próprios bailes que acontecem nas comunidades e com a geração de renda a partir deles, o que se entrelaça com a lógica da economia criativa e solidária.



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