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Thaís Moraes

Casa do Hip Hop de Diadema: preservando o legado da periferia

O projeto muda a vida de jovens periféricos ao incentivar o olhar crítico e a busca pelo conhecimento


Por Thaís Moraes


[Imagem: Reprodução/Facebook (https://shorturl.ae/4s3SR)]


A pandemia de Covid-19 obrigou diversos projetos culturais a pausar suas atividades – e, agora que a situação emergencial se atenua, eles voltam à vida. Um desses projetos é a Casa do Hip Hop de Diadema, que oferece oficinas de DJ, Break, MC e Grafitti, além de ser palco de outras atividades culturais, como saraus, oficina de trancista e curso de inglês.


Nascida há 21 anos, a Casa impacta positivamente a cidade de Diadema desde que surgiu. Jean Batista, coordenador do projeto, conta que o envolvimento dos jovens nas atividades culturais mudou a visão que muitos tinham da cidade. “Diadema era conhecida por ser muito perigosa”, explica Jean. “Esses trabalhos culturais e educacionais da cultura Hip Hop ajudaram a mudar essa realidade, porque a molecada que ficava na rua começou a ir para as oficinas. Então a cidade foi se mostrando altamente cultural.”


Por meio das oficinas, a Casa busca empoderar crianças, jovens e adultos a partir do ensino dos princípios do Hip Hop. Com o retorno presencial, a Casa passou por uma reforma e espera abrigar cada vez mais alunos. “É um lugar que merece respeito por tudo que foi desenvolvido lá. Não só de Diadema, mas do Brasil inteiro.”


O QUE É O HIP HOP?

Segundo Nelson Triunfo, fundador do projeto e um dos mais importantes nomes do Hip Hop no Brasil, essa cultura é composta por quatro pilares. São eles: o Rap, cantado pelos Mc’s; o Break; o Grafitti; e o DJ, responsável pela mixagem.


Alexandre Ribeiro, ex-aluno da Casa, acrescenta ainda mais um pilar: a busca pelo conhecimento. Para ele, a oficina de DJ não ensinou apenas mixagem, mas também o incentivou a valorizar a educação. “Expandir a nossa consciência racial, social e o nosso letramento, nessa sociedade que nos oprime, ajuda a encontrar os caminhos de liberdade”, conta. Vindo da Favela da Torre, em Diadema, hoje Alexandre estuda Literatura no Bard College Berlin, e também leciona inglês na Casa de Hip Hop.


Para além do conhecimento, Jean Batista, filho de Nelson Triunfo, destaca que um papel essencial do Hip Hop é politizar os jovens. “É uma cultura periférica, né? Que sempre falou pelos mais pobres, pelos mais oprimidos, pelas pessoas que não tinham voz em vários espaços”, explica. Jean também relembra lugares importantes aos quais seu pai chegou, sempre vestindo bata africana onde só se podia entrar com “gravata borboleta”. “O nosso poder do Hip Hop,” diz Jean, “é poder ensinar as pessoas a serem quem elas quiserem ser.”


O PROJETO

Nelson Triunfo, fundador da Casa do Hip Hop de Diadema, conta que a criação de um espaço cultural era uma necessidade da época. Convidado pela gestão do município em 1999, Nelson iniciou o trabalho social – que deu bons frutos, mas só depois de muita luta. “Foi necessária a criação de uma casa do Hip Hop, mas não foi tão fácil", diz ele. Jean complementa: "[Um outro governo] tentou fazer algumas coisas, mas não dava certo, porque eles não tinham um olhar crítico. O Hip Hop não é de qualquer jeito. É uma cultura, que a galera bate de frente, vai pra cima mesmo, e luta pelo que acredita.”


Ao longo do tempo, com a mudança da gestão, o projeto foi perdendo incentivo, até que a pandemia exigiu a parada das atividades. Em 2021, quando houve mobilização para o retorno da Casa do Hip Hop, o espaço estava em situação de abandono. “Para você ter ideia,” relata Jean Batista, “eu cheguei lá e vi que não tinha fio [de eletricidade], as portas estavam todas arrombadas, os equipamentos sumiram. A gente usou os primeiros seis meses para poder mudar tudo isso”


[Reprodução: Instagram (encurtador.com.br/mGHJ8)]


Por fim, com a Casa pronta para receber os alunos, Jean e Nelson se depararam com outro problema: depois de tantos anos de projeto, o público já não era mais o mesmo. “A época de ouro na Casa do Hip Hop era aquela em que a gente não tinha um acesso muito fácil à internet. A comunicação era muito difícil naquela época, então as pessoas tinham que vir para ver e aprender, né?”, reflete Jean.


NA ONDA DA INTERNET

A percepção geral, para os mestres do Hip Hop como Nelson Triunfo, é que existe um ruído entre gerações. Especialmente durante o período da pandemia, muitos jovens entraram em contato com o Rap, o Break, o DJ por meio das redes sociais – mas não aprenderam os princípios da cultura, como a postura e olhar críticos e a busca pelo conhecimento.


Alexandre Ribeiro, já de uma outra geração, analisa que a internet democratizou a cultura. “Muitas coisas que eram do Hip Hop eu não tinha acesso, como shows, por exemplo”, conta. “Isso porque eu ainda era de São Paulo. Imagine um jovem de Manaus, ou do Acre, por exemplo.” Para Alexandre, a solução para resgatar os princípios está no trabalho mútuo entre jovens e mestres. “Os mais velhos têm que estar dispostos a ensinar, e os mais novos dispostos a escutar. Claro que a internet exige conteúdos mais rápidos, mais curtos, mas muita gente usa essas plataformas para resgatar e disseminar esses valores [da cultura]”


O próprio Alexandre é um exemplo disso: em suas redes sociais, mantém o projeto “Da Quebrada Para o Mundo”, e por meio dele incentiva outros jovens periféricos a seguir seus sonhos e explorar seu potencial. Mesmo Triunfo, ao criticar as novas formas de ensinar a cultura nas redes, reconhece: “Ela [a Casa] não pode parar no tempo. Você tem que fazer tipo no jogo de xadrez. Às vezes tem que perder uma peça, para poder comer duas e avançar.”


LEGADO

“O que eu gosto sempre de dizer”, afirma Nelson Triunfo, “é que nós não somos moda. Nós estamos aí há quase 40 anos. E não saímos do nada.”


Assim como o Hip Hop é formado por pilares, também é composto por influências dos mais diversos lugares. “A gente não começou em 1983. Até eu tenho minhas dúvidas do início”, explica Nelson. “Os caras falam que começou ali nos anos 1970 em Nova York, mas se você procurar, em 1959 tem uns caras na Nigéria dançando em roda. E eles fazem um bocado de coisas que mais tarde entraram no Break”.


Nigéria, Jamaica, Nova York, Diadema: seja onde for, os passos e princípios foram sendo ensinados de geração para geração, até chegar aos dias atuais. Também a Casa de Hip Hop segue esse caminho. “Hoje o Jean está fazendo o que eu fazia [na coordenação da Casa], e mais tarde é a filha dele que vai estar lá fazendo. É a cultura da multiplicação”.


Nelson também relembra com orgulho a trajetória de seus alunos no projeto: “É um legado que não tem preço. Eu tenho moleques que moram em Berlim, nos Estados Unidos, na Espanha, no Japão. Muitas vezes eles nem saíam do centro de São Paulo, e hoje dominam vários idiomas, vivem por lá tranquilamente, ganhando bem e tudo o mais”. Sobre o futuro da Casa, o mestre diz: “Eu acho que nós temos feito a nossa parte, e ela tem que continuar.”

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