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  • Juliette Ratto

A rua e a sua arte de reinventar a cultura popular brasileira

Juliette Ratto


No Brasil, o acesso e à consciência da cultura, são muito limitados. As pessoas na periferia raramente são confrontadas com a necessidade de ir a um museu ou teatro. Para um país com uma cultura artística tão rica, a contradição é forte: qual o acesso da periferia à cultura, e a que cultura?



Exposição de arte de rua na Avenida Paulista, domingo 17/04


A falta de conhecimento cultural e de aprendizagem na educação brasileira Marcos Antônio, um estudante, músico e professor de guitarra cuja família vem de um meio menos rico, lamenta que "a aprendizagem da cultura seja ainda muito parcial no Brasil; a música, por exemplo, só é transmitida através da hereditariedade, enquanto que deveria ser ensinada na escola, e não apenas em escolas particulares”. De um pai músico, Marcos aprendeu a tocar vários instrumentos na família. Ele acredita que o sistema escolar brasileiro é muito carente em matéria cultural e artística: "Em geral, os brasileiros não têm acesso à cultura'', protesta Marcos, “enquanto muitos brasileiros são muito talentosos, mas não conseguiram revelar os seus talentos porque não tiveram oportunidade de aprender mais técnicas e conhecimentos musicais na escola”. Para Marcos, "é difícil ter acesso a uma cultura de qualidade". Embora existam muitos lugares livres para visitar, a informação não chega à periferia e a qualidade da educação brasileira neste sentido é muito pobre. No entanto, alguns espaços oferecem a possibilidade de ouvir concertosou dançar diferentes tipos de música ao alcance de todos, como é o caso da Avenida Paulista todos os domingos em São Paulo.


Cultura de rua, uma forma de acesso à cultura para todos

Aqui, na avenida Paulista, as diferenças sociais tornam-se tênues", diz Maxwell Costa, um estudante paulista que cresceu em Minas Gerais. “Os mais ricos, aqueles que vivem no centro, ou na periferia, encontram-se todos os domingos na rua”. Com o seu grupo de amigos, muitos dos quais pertencem à comunidade LGBTQ+, eles vêm regularmente à Avenida aos domingos para dançar sem julgamento. Eles sentem que podem ser eles próprios. "A rua pertence a todos", acrescenta, "é festiva, é colorida, a arte está em todo o lado e permite que todos a desfrutem".



Jovens dançando na Avenida Paulista, domingo 17/04


De fato, passar uma tarde de domingo na Avenida Paulista dá uma ideia do lugar da arte de rua na cultura popular brasileira e do seu apetite para reunir todas as classes sociais. No coração das vendas de artesanato, concertos e espetáculos de palhaços e de dança, homens, mulheres e crianças de todas as classes sociais unem as suas vozes às melodias populares brasileiras. Isto coloca os seus movimentos no mesmo ritmo, criando trocas de grande simplicidade nesta avenida que ganha vida,tingida de cores,sons e luzes.

Uma certa forma de cultura valorizada, em detrimento de outras formas desconhecidas Se a iniciativa da Avenida Paulista é boa e interessante, os eventos que aí se realizam continuam a ser uma certa forma de cultura", diz Eduardo Coutinho, "há uma cultura que é valorizada pelos subsídios e outra cultura que é desqualificada, que não recebe apoio para se desenvolver”. De acordo com o profissional artístico (mímico, ator e realizador há mais


de 40 anos), eventos semelhantes também têm lugar na periferia, mas não são organizados pelo poder público e "dialogando com a cultura da periferia".


A arte de rua está particularmente presente no Brasil, especialmente no Nordeste e em muitas cidades que não têm um teatro. "O teatro mediático é o das regiões ricas do país, que fazem teatrode palco, teatroburguês. As regiõesmenos ricas fazem teatro de rua e não recebem qualquer publicidade, e isto não está de forma alguma relacionado com a qualidadeartística", lamenta Eduardo Coutinho.Estas observações estão ligadas à profunda falta de conhecimento que engloba a história da cultura popularbrasileira.


O mímico, doutor em artes performativas, é agora professorde Prática de Rua na Universidade de São Paulo. Escolheu esta disciplina por uma razão política, para "trazerpara dentro da academia uma área das artes cênicas na qual os saberes são desenvolvidos na prática".


A necessidade de constante reapropriação e recriação da cultura de rua pela periferia

A investigação sobre práticas de rua é apenas muito recente no Brasil. Vem à mente os Nossos "ancestrais" de rua (2018) de Alexandre Falcão,o que realça o fato de, no imaginário comum, a arte popular brasileira ter chegado com os jesuítas no século XVI. Mas Falcãolembra que “o teatro em seu sentidoampliado, como toda expressão cênica humana, podemos considerar que ele sempre esteve presentena história de nosso território, já que inúmeras etnias indígenas, em suas práticas culturais, utilizavam e utilizam a expressão cênicacomo parte inerentea seus rituais, festas e atividades cotidianas”.


Isto tende, mais uma vez, a expulsarda história brasileira o lugar primordial das comunidades africanase indígenas, especialmente na criação do património culturalbrasileiro. A consequência é, portanto, a necessidade de uma constante reapropriação da sua própria cultura pelas classes médias brasileiras, o que pode ser conseguido através da rua, que tem a capacidade de reinventar a arte brasileira no dia-a-dia.

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