Em teoria agindo em prol da segurança pública, a Polícia Militar brasileira gera receio nos moradores das favelas por sua abordagem violenta e discriminatória
Por Bruna Correia de Oliveira, Filipe Moraes, Isabel Briskievicz Teixeira,
Júlia Queiroz, Tainá Rodrigues, Yasmin Brussulo
Segundo relatório de 2015 da Anistia Internacional, a polícia brasileira foi considerada a mais violenta do mundo. Posteriormente, em 2017, uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em conjunto com o NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP, chegou à mesma conclusão. Ainda este ano presenciamos histórias que corroboram essas pesquisas, como a deflagração da Operação Escudo. Após a morte de um policial da ROTA no Guarujá, no final de julho de 2023, foi iniciado um massacre da população negra e periférica na Baixada Santista. Do que suscita reflexões sobre a conduta da polícia brasileira, especialmente nas periferias e ocupações, e quem são, essencialmente, os corpos que suas balas encontram. Até o mês de agosto, a operação policial já havia matado 16 pessoas e prendido outras 296, sendo considerada a mais letal desde o Massacre do Carandiru, em 1992. A Chacina no Guarujá tem como vítimas jovens negros, periféricos, trabalhadores, que se encontravam em suas residências quando foram assassinados. Uma das vítimas, Layrton Ferreira de Oliveira, de 22 anos, teve, inclusive, seu cachorro alvejado pelos policiais.
O mito da necessidade da violência para garantir a segurança pública se propaga a partir da crença de que, dentro de periferias, comunidades, ocupações e, bem, favelas, só tem bandidos, criminosos e traficantes. Yara Rocha, moradora de Americanópolis (zona sul da cidade de S. Paulo), fala sobre o quão assassina é essa discriminação. “Tem diferença, sim, no tratamento da polícia em relação à comunidade e a outras áreas, porque só de você morar na comunidade, para ele [o policial], isso já é uma discriminação, você já não presta”, conta. Mas este não é um reflexo da realidade. Como diz a própria Yara, na comunidade tem pessoas que trabalham, estudam e que tentam conquistar as coisas. “Mas, para o policiamento hoje em dia, só de você ser da comunidade, como antigamente falavam, da favela, você não presta”, complementa.
Segundo o jornalista e pesquisador do NEV, Bruno Paes Manso, um fator influenciador no número de mortes cometidas por policiais registrado nas favelas é o alto índice de prisões feitas sem investigação específica. Desse modo, o cárcere com superlotações e condições de vida insalubres, ao invés de reinserir os presos na sociedade, acabam criando novos territórios para o estabelecimento do crime organizado. Os bairros mais pobres, consequentemente, abrigam tais pessoas, e o policiamento armado, além da abordagem violenta e desmedida, não faz distinção entre moradores e réus. Segundo o pesquisador, “a Segurança Pública passou a ser feita a partir do patrulhamento territorial, pelas polícias fardadas nos bairros vistos como perigosos, que são os bairros mais pobres, e é focada em pessoas vistas como perigosas, que são jovens e negros, normalmente”. Considerada a mais violenta do mundo, a polícia brasileira, em geral, também mata pessoas já feridas e sem aviso prévio, segundo o relatório de 2015 da Anistia Internacional.
O impacto das câmeras corporais
Outro ponto que agrava a atuação violenta dos agentes é a ausência do Estado, que reflete no descontrole das instituições policiais, gerando a manutenção do seu poder e violência. Bruno afirma que atualmente o Brasil tem mais de seis mil mortes praticadas pela polícia: “Um país onde o Estado está efetivamente presente evita a existência de tiranias e, consequentemente, diminui o embate entre a polícia e os criminosos”. No estado de São Paulo, durante seu governo, João Dória (PSDB) inaugurou o Programa Olho Vivo, que implantou o uso de câmeras nas fardas policiais, com gravação ininterrupta.
De acordo com estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a implementação de câmeras corporais resultou em uma significativa redução de 62,7% no número de fatalidades causadas por ações policiais no estado. Os dados indicam que houve uma diminuição das mortes de 697 em 2019 para 260 em 2022. Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador do Estado de São Paulo, é um crítico do uso de câmeras em uniformes policiais e tem sido acusado por adversários e ativistas de direitos humanos de sucatear o atual modelo. “Você tira privacidade do policial e não permite que coisas que eram rotina aconteçam”, defendeu Tarcísio, quando ainda era candidato a governador em sabatina para a Folha de S.Paulo em maio de 2022. Após tomar posse, recuou diante da repercussão negativa quando declarou que pretendia retirar o uso do equipamento. Após o ocorrido, Tarcísio congelou o número de câmeras disponíveis, mas sofre pressão de aliados para tirar a obrigatoriedade do equipamento.
Entre a falta de controle do Estado e o incentivo à violência como conduta primária, quem paga a conta da segurança pública são pessoas como as que foram assassinadas em chacinas e, também, pessoas como Yara. “Não me sinto segura em relação à polícia, não posso confiar neles. Não dá para contar com eles”, afirma a moradora de Americanópolis.
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