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  • Eduarda Ventura, Guilherme Castro, Mariana Carneiro, Danielle Alvarenga e Mateus Cerqueira

Fechamento do circo escola ameaça reforço na formação de crianças, jovens e adultos da São Remo

Insegurança alimentar, psicológica e a sensação de desamparo figuram como os reflexos do fechamento do espaço socioassistencial


Por Eduarda Ventura, Guilherme Castro, Mariana Carneiro, Danielle Alvarenga e Mateus Cerqueira

[Imagem: Mateus Cerqueira]
“Eu sei que a escola tem esse potencial: de ocupar a mente da criança para instruir a ela um caminho.”
Reginaldo Lopes Porto, morador da São Remo

Há 1 ano e 8 meses fechado, o Circo Escola da São Remo, comunidade na Zona Oeste de São Paulo, deixou de atender aproximadamente 300 crianças, 150 adultos ao dia e 800 pessoas indiretamente, visto que o contrato com a organização social Menino Jesus que administrava o projeto não foi renovado.


A situação chama atenção para o contraste entre a comunidade do São Remo e as demais regiões do Butantã, região na qual a mesma se localiza, em que escolas e centros recreativos particulares estão presentes em grande número. Contudo, sem renda para arcar com os custos desses centros de ensino e cultura privados, as famílias da São Remo, sobretudo as que têm mulheres como chefe do lar, se viram em apuros. Por um lado pela necessidade de ir trabalhar e deixar os seus filhos sozinhos, e, por outro, porque os pequenos tiveram que interromper as atividades educacionais, culturais e profissionalizantes que o circo escola oferecia.


Maria José Florentino Maciel, moradora da São Remo, nos relata a sua experiência de mãe solteira e de como o circo escola foi um diferencial para os seus filhos. “Eu trabalhava fora e não tinha com quem deixar os meus meninos. Eu sabia que eles estavam sendo bem cuidados e aprendendo lá. Tinha o café, o almoço, o lanche e eles eram acompanhados. Além de um espaço para tirar as crianças da rua, também era um espaço de complemento à escola. Então as mães solteiras, como eu, trabalhavam sossegadas”, diz a dona de casa.


O porquê do fechamento


A falta de repasses públicos por meio do fim do contrato com a Secretaria de Assistência Social foi o principal fator do encerramento das atividades do espaço. Sem recursos para a manutenção da estrutura, o local encontra-se em mau estado. Do período que ele permaneceu fechado, surgiram rachaduras, janelas quebradas e o risco de desabamento do teto, prejudicando ainda mais a realização de atividades, a exemplo de cursos profissionalizantes, oficinas musicais e oficinas circenses que eram oferecidas. Com isso, crianças, adolescentes e adultos estão desamparados, sem atividades que fomentem o seu desenvolvimento e integração no mercado de trabalho.


Circo escola está com suas atividades suspensas [Imagem: Mateus Cerqueira]

“O Circo é um dos meios de ampliar a educação e apoio à comunidade, porque aqui as crianças fazem vários tipos de atividades mental e corporal que são boas para o seu desenvolvimento”. Aponta o quilombola Reinaldo Lopes Porto, morador da São Remo há mais de 10 anos e pai do Rafael e Isis, alunos do local.


A visão de Porto é compartilhada por outros moradores. Isolados da parte rica do Butantã e sem condições para arcar com os custos de centros particulares de complemento à educação e cultura, os pais não veem outra alternativa, se não a de deixar os pequenos sozinhos em casa, e os mais velhos, desassistidos. “O Circo é o diferencial da favela. Aqui [na São Remo] não tem muitos espaços recreativos para as crianças. Então, quando o pai ou mãe tem que sair para trabalhar, esse garoto vai ficar sozinho pela rua e vulnerável a alguma violência”, afirma Antonio Fernando Campos, mais conhecido como Black Nandão e um dos antigos instrutores de Rap e Hip Hop do Circo Escola.


A situação das famílias da São Remo com crianças e jovens em idade escolar pode ser melhor visualizada quando entendida a importância do circo escola como complemento à educação básica. Entretanto, com as atividades paralisadas, o espaço que seria a alternativa ao fechamento das unidades de ensino público com a distribuição de alimentos e apoio psicológico - tornou-se o reflexo da negligência do Estado. Com isso, a sensação de desamparo figura como o reflexo do fechamento do espaço socioassistencial.


Em entrevista ao Central Periférica, a covereadora pelo PSOL, Elaine Mineiro, do Quilombo Periférico, pontua que o discurso de eficiência do Estado é o principal fator da precarização de serviços básicos e assistenciais da cidade de São Paulo. “Posso dizer que temos um executivo que tem um discurso de eficiência do Estado, em que cortar custos e economizar dinheiro parece a prioridade, como em uma lógica de mercado. Então, fazemos a avaliação de que essa dita eficiência do Estado vem acompanhada da precarização de todas as redes de proteção social da cidade de São Paulo”.


Para Mineiro, a tendência dos governos em apostar em soluções de curto prazo dificulta ainda mais o investimento em iniciativas efetivas, como a da São Remo. Ela reforça que a consequência dessa omissão do Estado é a má qualidade de vida da população negra e periférica e a marginalização dos moradores das favelas. O resultado? O menor acesso a qualificação profissional, o aumento do desemprego e o risco de insegurança alimentar.


Mobilizações na São Remo


A mobilização dos moradores da comunidade pela volta das atividades do circo após a pandemia acontece desde 2020 – ainda no ano passado, um abaixo assinado com mais de 3500 assinaturas pressionava a subprefeitura por um parecer. Como consequência, algumas salas foram reativadas e algumas atividades puderam voltar a acontecer e receber jovens e adultos da São Remo.


Segundo Paula Nunes, covereadora pela Bancada Feminista do PSOL em São Paulo, a elaboração e destinação de emendas parlamentares referentes ao Circo Escola vão auxiliar no processo de reforma e reabertura do espaço, embora medidas extras tenham que ser tomadas. De acordo com ela, a Prefeitura precisa se comprometer em custear parte das obras, haja vista que a Universidade de São Paulo cedeu o terreno do Circo para a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS).

Como esse projeto de reestruturação está previsto para acontecer ainda em 2021, de acordo com as normas orçamentárias que contemplam as emendas destinadas à Subprefeitura, há a necessidade de mobilização da comunidade para fiscalizar o andamento das obras.


Mobilização em frente a Secretaria de Desenvolvimento Social [Imagem: Mateus Cerqueira]

Consequências do fechamento

Em razão da demora na aprovação das emendas, uma das alternativas de viabilização de recursos, a região do Circo Escola torna-se suscetível a ocupações, que se mostram cada vez mais frequentes após o aumento do desemprego e os cortes no auxílio emergencial durante a pandemia do coronavírus. Um exemplo desse quadro é a recente ocupação Buracanã, estabelecida em um terreno de propriedade da USP. Há muitos anos parado, o espaço deveria ser destinado para habitações populares, o que não aconteceu.

Questionada sobre projetos parlamentares que abarquem a demanda por moradia na região da São Remo, Nunes diz que há negociações em andamento com a USP e com a Prefeitura e Governo do Estado, referentes ao impedimento de possíveis despejos e a transformação da área em uma efetiva moradia popular para as famílias ocupantes.

A covereadora também estabelece que o seu mandato, enquanto representante da Bancada Feminista, está empenhado em pressionar a Prefeitura para garantir os recursos necessários para as obras do circo – desse modo, agilizando o processo –, e assegurar que os serviços que lá existiam sejam reabertos assim que houver condições estruturais para tanto.


No entanto, Marília Silva, assessora do gabinete do vereador Eduardo Suplicy, aponta a negligência do Poder Executivo como causa para a escassez de programas habitacionais. “Esse é um problema que não afeta apenas a comunidade São Remo, mas o Brasil como um todo, que vive um total descaso com a política habitacional, mas os parlamentares têm como função apenas aprovar o orçamento e fiscalizar os gastos. Projetos que abarquem a demanda por moradia não estão dentro do escopo do Legislativo, e sim do Executivo”, afirma em entrevista ao Central Periférica.


Silva destaca, também, o descaso da SMADS com o movimento pela reabertura. “Quando a Secretaria pediu a cessão do espaço do Circo Escola, ela firmou uma espécie de compromisso com o prosseguimento do projeto. Mas isso não pode ser só da boca pra fora – a cessão é uma coisa simples de ser feita, é através do orçamento que a SMADS demonstraria um real interesse”, conta.


A cobrança pela inclusão da verba para a reforma na Lei Orçamentária Anual, que será votada na Câmara em 2022, é tida como essencial para a continuidade do projeto de reabertura: “Essa lei é definida pelo Executivo, e os vereadores podem somente propor emendas, modificações à ela. Além disso, a aprovação de uma emenda não significa que ela será executada, ainda mais agora, que estamos no final do ano e não há mais tempo hábil para isso”, diz Silva. O mandato do vereador Suplicy insiste que a demanda por orçamento deve centrar-se na SMADS, uma vez que o Executivo é o único capaz de garantir o alto valor necessário para a reforma e acelerar o processo de retomada das atividades no Circo Escola.


Ainda que reconheça a urgência da situação, a assessora considera improvável a reabertura, mesmo que parcial, do Circo Escola até fevereiro de 2022 – prazo estipulado em uma recente reunião com gabinetes parceiros do movimento. “Eu acho que qualquer um que coloque como viável o funcionamento ainda em 2022 ou está sendo muito otimista, sem considerar as diversas etapas e prazos para a execução da reforma, ou não está sendo crítico em relação a como se dá esse tipo de processo. É preciso um diálogo aberto e verdadeiro, para que não haja falsas promessas”, completa.


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