Violência Doméstica: Mulheres de periferia possuem mais dificuldades com quarentena
Santos sofre com uma epidemia silenciosa: a violência doméstica. Mulheres de periferia possuem mais dificuldades com quarentena.
Por Juliana Alves
Lar refere-se a um local em que as pessoas se sentem protegidas e confortáveis. Com a pandemia da covid-19, para muitas mulheres suas casas não eram lares, mas sim um perigo. A quarentena escancara falhas estruturais e institucionais de uma das piores epidemias: a violência doméstica contra mulher.
Se dormir com o agressor já era um pesadelo, a convivência por várias horas em casa tornou-se um desespero, principalmente, para as mulheres de baixa renda. Segundo a assistente social do Creas (Centro de Referência de Assistência Social) de Santos, Adelma Lima, a violência acontece em todos os níveis, mas as mulheres de baixa renda estão mais expostas. “Se tem um grito no cortiço, a comunidade escuta, é algo mais público”.
Outro obstáculo que a vítima possui é a denúncia. A fim de estabelecer um mecanismo mais silencioso que o relato por telefone, está disponível a denúncia eletrônica. O registro deve ser feito na página da Delegacia Eletrônica da Polícia Civil do Estado de São Paulo.
Entretanto, segundo a pesquisa do instituto TIC Domicílios, cerca de 26 milhões de brasileiros da classe D e E não usam internet. Para a advogada e cofundadora da Ong Hella, Thais Perico, o mecanismo eletrônico já mostra o recorte de privilégios, “para quem não tem [eletrônicos] a pessoa continua a margem”.
Há falhas também nas instituições que estão em contato com essas mulheres vulneráveis. Adelma afirma que os hospitais não são especializados (só o Creas e a Delegacia da Mulher). Ela conta que há casos em que alguns médicos não querem fazer o relatório, para não ser chamado como testemunha no julgamento e a equipe médica evita o envolvimento.
Até mesmo a Delegacia da Mulher tem deficiências no atendimento. A assistente social relata que já houve situações em que demorou horas para a vítima ser atendida. “Tem vezes que a mulher é atendida já no balcão, na frente de todos e como não pode tirar mais o boletim, fazem perguntas: Tem certeza que você quer fazer? Depois não pode tirar mais, tem que dar sequência — ela resume — “O atendimento é precário”. Além do mais, alguns perguntam se a vítima bebeu e qual roupa estava usando durante a agressão. Adelma conta que fica incomodada de ter muitos homens na delegacia da mulher.
“Precisa de muitas coisas para mulheres se sentirem acolhidas”, ela conclui.
Já no Creas, local especializado em atendimentos intrafamiliar, Adelma explica que a estrutura é ruim, mesmo durante a pandemia, pois tem poucos funcionários e eles não possuem aumento salarial. “Somos desvalorizados pelo poder público”, ela comenta. A assistente social descreve que há três anos não há curso de especialização, que antes era disponibilizado aos servidores públicos. “Estamos em um momento difícil”, ela avalia.
O processo do julgamento também é complicado para as mulheres. Segundo Adelma, ele demora muito, já que muitas mulheres não possuem condições de contratar advogados particulares. Ela conta que só houve um caso de violência contra gênero o qual o agressor foi preso em flagrante, mas ficou preso apenas por três meses.
Thais explica que outro fator que agrava o julgamento: Santos, cidade com mais de 430 mil habitantes, ainda não possui uma Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, área de atuação competente em combater crimes no âmbito familiar contra mulher. Sem ela, “as mulheres de baixa renda sofrem mais com a desigualdade na Justiça”.
Em alguns morros, onde é dominado pelo tráfico, há o próprio tribunal, conforme relata Adelma. “Se a mulher for agredida, o homem é punido por eles. Ela não pode chamar a polícia ou denunciar para não fazer alarde. Mas se for companheira de traficante, a mulher tem que fugir para sobreviver”.
Há alternativas em Santos para o acolhimento das vítimas. Como o albergue noturno da cidade, porém não é uma opção muito utilizada já que muitas têm filhos e não querem permanecer com desconhecidos. Há também o único abrigo da Prefeitura focado apenas para mulheres, “Casa Abrigo”, o qual é sigiloso, mas, apenas é assistido pelas vítimas que possuem risco de vida. Também há a opção de esperar uma vaga em abrigos conveniados, por exemplo, a Casa das Anas. No entanto, uma das funcionárias desse informa que muitas mulheres usam o auxílio emergencial do governo para alugar quartos com os filhos. Devido também a esse benefício, as mulheres conseguem certa independência financeira temporária.
Adelma informa que para assistir as vítimas o Creas tem alguns recursos financeiros, municipais e federais. Por exemplo, o Bolsa Família (federal) e o Programa Nossa Família (PNF) para famílias com adolescentes até 16 anos (municipal). Há o auxílio moradia para as que não querem ou não tem condições de ir para o abrigo.
O programa “Guardiã Maria da Penha”, implementado em 2019, é uma das medidas da Prefeitura de Santos para auxiliar as vítimas de violência doméstica que possuem medidas protetivas. O programa consiste em visitas periódicas de guardas às residências de mulheres, indicadas pelo Ministério Público, explica Diná Ferreira, coordenadora de Políticas Para Mulher em Santos.
Depois do julgamento, as mulheres possuem desafios para uma nova fase da vida. Thais alerta que muitas mulheres recebem ameaças e tem medo de perder a guarda dos filhos. Muitos ex maridos usam o acordo de visita das crianças para continuar a violência contra mulher. Outra dificuldade é o sustento financeiro familiar, a advogada analisa a importância de oferecer cursos profissionalizantes para possibilitar que essas mulheres consigam emprego para não ser refém de marido abusivo.
“É necessário fortalecer a autoestima da mulher”, ela conclui.
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