Estudos mostram grau de exploração de trabalhadores de aplicativos
Em entrevista ao Central Periférica, Mariana Covas Costa, mestranda em geografia na Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora da pesquisa O trabalho dos entregadores de delivery via plataformas digitais: cotidiano, práticas espaciais e a produção do espaço, afirma que as empresas nutrem narrativas de autonomia em relação aos trabalhadores para que elas possam se eximir de preocupações com contratos e direitos trabalhistas. Essa dissolução da estabilidade e do vínculo empregatício resulta na transferência dos custos, riscos e endividamentos do trabalho a quem o pratica e, assim a empresa consegue aumentar seus lucros às custas de submeter um enorme contingente de trabalhadores à condições dramáticas de trabalho.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (REMIR) em 2021, 58,9% dos trabalhadores de plataformas digitais tiveram queda na remuneração durante a pandemia. O relato de Lucas, 31 anos, entregador de aplicativo e associado ao movimento dos Entregadores Antifascistas do Rio de Janeiro, corrobora esse cenário. O entregador afirma que as empresas constantemente fazem experimentações com o algoritmo que gerencia o trabalho, o que afeta o pagamento abaixando-o e impedindo que os trabalhadores possuam uma regularidade salarial na qual consigam se apoiar.
Lucas é também integrante da Despatronados, cooperativa carioca criada por membros do coletivo de entregadores antifascistas para que a categoria possa fazer uma gestão coletiva de seus trabalhos e defender seus interesses. Ele conta que nesse modelo de atuação descentralizada, os rendimentos são mais justos e as jornadas de trabalho são feitas de acordo com a disponibilidade dos entregadores, por meio de agendamentos pelo WhatsApp e sem demanda de horas diárias, diferentemente da gestão algorítmica dos aplicativos, que demanda que os trabalhadores permaneçam logados para que possam receber pedidos com maior frequência.
O trabalhador menciona as inseguranças durante a pandemia e a dificuldade de depender de um trabalho instável no qual os entregadores são desumanizados. "A gente estava sem receber nenhum tipo de auxílio, de ajuda nem nada. Até porque a dinâmica de trabalhar em uma plataforma de aplicativo é, você recebe pelo serviço que você faz, se você não estiver disponível para fazer serviço, você não recebe dinheiro nenhum. Então, pegar Covid é não estar disponível para plataforma", explica Lucas.
"Então, pegar Covid é não estar disponível para plataforma", explica Lucas.
Uma pesquisa realizada em 2021 pelo Instituto Locomotiva constatou que cerca de 20% da população adulta brasileira, aproximadamente 32,4 milhões de pessoas, utiliza algum tipo de aplicativo para trabalhar. O então vigente cenário de pandemia não só escancarou a exploração desse tipo de mão-de-obra, como também evidenciou, ainda mais, a forte dependência que se tem dos serviços prestados por esses trabalhadores e o crescente desmonte dos direitos trabalhistas, já que os prestadores de serviço não encontram alternativa e são lançados à informalidade do trabalho uberizado para que consigam sobreviver.
Entretanto, esse fenômeno não é inteiramente contemporâneo. Para Flávia Manuella Uchôa, doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora na área de psicologia social do trabalho, a "uberização" é a união entre aspectos novos e arcaicos. Flávia explica que há a conjugação da precariedade estrutural do mercado de trabalho brasileiro com a tecnologia, que não é utilizada para melhorar a vida da população, mas sim para potencializar a instabilidade e desproteção legal de seu trabalho.
A pesquisadora ressalta que a pandemia não criou esses problemas, mas sim os agravou. A situação anterior a ela já era crítica, especialmente, em virtude da reforma trabalhista ocorrida em 2017, que “modernizou” as relações trabalhistas brasileiras sob pretexto de aumento na geração de empregos. Na realidade, o que ocorreu foi o aumento da informalidade e do desemprego e o amparo legal à precarização do trabalho, logo as atuais circunstâncias não são inteiramente consequências da conjuntura pandêmica, elas eram preexistentes, mas sofreram piora e aprofundamento.
Na pandemia, os trabalhadores de aplicativos, ainda que essenciais para a própria garantia e manutenção do isolamento social dos demais integrantes da sociedade, são, mais do que nunca, invisibilizados. Nem “as mochilas de cores gritantes”, nas palavras de Lucas, foram suficientes para garantir visibilidade a essa parcela da população.
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