Por Yasmin Lima de Araújo
[Álvaro Herinque/Agência Brasil]
O surgimento da tecnologia digital revolucionou a relação da humanidade com o aprendizado, proporcionando novas formas de acessar o conhecimento e possibilitando a ultrapassagem de barreiras antes impostas pelo tempo e pela distância. O ensino remoto é, sem dúvida, um dos grandes resultados da revolução tecnológica no campo educacional, pois estabeleceu uma ponte entre os alunos e os pólos de produção intelectual, desta forma, otimizando a dinâmica educativa. Entretanto, no Brasil, após mais de dois anos de pandemia, o ensino remoto ainda não pode ser analisado por uma perspectiva unicamente positiva, uma vez que, embora fosse o único meio de acessar as aulas, as camadas mais baixas não tiveram alcance a essa realidade. Dado isto, quais foram os maiores desafios e obstáculos para a introdução da modalidade no país durante o período pandêmico e quais são os principais impactos após o retorno presencial das aulas?
A educação remota não chegou a todos
A criação de uma dimensão virtual que proporciona o encontro de alunos e professores, possibilitou o desenvolvimento de uma maior autonomia dos estudantes frente à aquisição do conhecimento. Se antes era indispensável a presença física de ambos (professor e aluno) para a realização de uma aula, hoje, um aparelho tecnológico e uma rede com conexão à internet são suficientes. Mas num país em que a desigualdade ainda possui profundas raízes, parece excessivamente otimista afirmar que o ensino remoto tenha, de fato, sido efetivo para facilitar o acesso amplo à educação, uma vez que, para uma grande parcela das crianças e jovens em idade escolar, a tecnologia digital e a facilidade que ela pode proporcionar são realidades ainda distantes, precarizadas no contexto da pandemia do covid-19.
Desafios impostos por uma realidade excludente
A conjuntura da educação durante o período da pandemia do covid-19, escancarou mazelas antes já existentes, mas que, a partir do período pandêmico, ganharam protagonismo pela sua intensificação. O Brasil é um país que abriga muitas realidades, não cabe analisá-las sob uma mesma perspectiva. Estudantes que moram em áreas periféricas e rurais são os mais afetados, pois viram sua dinâmica educacional mudar de forma drástica nos últimos dois anos. Devido à necessidade do distanciamento social, segundo dados do Inep, mais de 180 mil escolas por todo Brasil tiveram que fechar, as quais contabilizam, juntas, cerca de 48 milhões de estudantes. Nesse cenário de instabilidade, o ensino remoto emergiu como uma alternativa para a substituição emergencial das aulas presenciais. Entretanto, juntamente a popularização desse modelo de ensino que, a princípio, aparentou ser a solução, surgiram, simultaneamente, problemáticas próprias da conjuntura de um país desigual: a dificuldade de acessar as aulas por alunos pobres que vivem em áreas rurais e periféricas.
Antônio Santos, diretor da Escola Estadual Márcia Aparecida da Silva Farias Ries, localizada no município de Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, viu a transição para ensino remoto virar palco da intensificação da desigualdade social. “Ter tecnologia nas casas era muito difícil. Às vezes, tinha caso, de ter um celular do pai para três ou quatro crianças utilizarem para as atividades”, diz o diretor sobre os principais obstáculos enfrentados pelos alunos.
Em outubro de 2020, o governador João Dória anunciou a entrega de 750 mil chips com conexão à internet para alunos, professores e servidores públicos. A medida visava minimizar a evasão e o abandono escolar. Ela foi efetiva em alcançar alunos que não tinham internet. Entretanto, na opinião do diretor, existia a necessidade de formular ações governamentais no sentido de distribuir aparelhos digitais para aqueles que não possuíam e, portanto, não seriam beneficiados com a medida. Ele diz que as ações tinham que ser implementadas conjuntamente. “Se tivessem garantido um tablet e um chip, teriam resolvido. O problema foi a tecnologia. Quem tinha apenas um celular na família não teve condições de comprar outro. O governo deveria ter viabilizado para todos.”
O ensino remoto na prática
As dificuldades enfrentadas pelos alunos estão centradas em duas principais questões, a indisponibilidade de aparelhos digitais (smartphones, tablets e computadores) e o difícil acesso a rede de internet, ambos requisitos básicos para o acesso às aulas remotas, entretanto, limitados ou inalcançáveis para grande parte dos estudantes de baixa renda. Caso de Danilo Queiroz, ex-aluno da rede estadual de ensino do estado de Pernambuco, terminou o ensino médio durante o período da pandemia e enfrentou essas dificuldades na prática, o que fez com que ele ficasse impossibilitado de acompanhar as aulas por um longo período. “A minha maior dificuldade foi que eu não tinha acesso a um aparelho celular ou computador, então perdi muito tempo de aula. Eu só consegui um aparelho com o auxílio emergencial. Além disso, não tinha internet de qualidade porque no meu bairro, por ser de periferia, os postes quebravam muito...travava muito (a internet)”, diz Danilo. Outra questão abordada por ele foi a dificuldade de encontrar um bom ambiente para estudar no pequeno apartamento que dividia com os pais. “Eu tinha que estudar na sala, só que fazia muito barulho porque em Cohab (Companhia de Habitação Popular) o pessoal escuta muita música alta, tem muita briga...tudo isso atrapalha”, completa.
A realidade de Danilo se assemelhou a de muitos outros estudantes. Segundo dados da pesquisa TIC educação 2019, o ensino remoto foi implantado num cenário em que, no recorte das áreas urbanas, quase 40% dos alunos filiados à rede pública de ensino não tinham aparelhos digitais para acessar as aulas remotas. Enquanto, entre os alunos da rede privada, essa taxa era apenas de 9%. Referente ao acesso à internet, uma pesquisa feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no mesmo contexto da anterior, em 2019, cerca de 4,3 milhões de alunos não tinham acesso à rede, dos quais 4,1 milhões eram alunos da rede pública de ensino.
Do outro lado da tela
Os obstáculos da migração repentina do ensino presencial para o remoto também foram impostos aos professores. Assim como os estudantes, eles se queixam das dificuldades com o acesso limitado, ou de baixa qualidade, à internet, a falta de aparato tecnológico e ambiente adequado. Maurício Santos, professor da Escola Estadual Márcia Aparecida da Silva Farias Reis, conviveu com tais problemáticas. “Não possuía ambiente propício para gravação das aulas, a minha máquina era muito ruim, com uma câmera de péssima qualidade”, diz o professor.
Sem letramento digital suficiente, muitos profissionais tiveram também que aprender sozinhos a utilizar as plataformas digitais para ministrar as aulas e desenvolver metodologias de avaliação, as quais nem sempre alcançavam todos os alunos de imediato. “Houve casos que eu passava uma atividade para ficar aberta uma semana, acabava tendo que deixar aberta 3 ou 4 semanas. O professor tinha que ter sensibilidade, não dava para cobrar cumprimento de horário sabendo da inexistência de acesso a inclusão digital”, completa o professor.
Impactos na educação no pós pandemia.
Dado o cenário de deficiências e dificuldades, após três anos de pandemia e o retorno total das aulas presenciais, quais foram os maiores impactos na educação?
O último Censo Escolar, acerca do ano de 2021, apresentou dados preocupantes. As taxas de evasão escolar tiveram um salto entre 2020 e 2021, principalmente entre os estudantes do ensino médio. A taxa de abandono no primeiro ano foi de 2,3% contra 5% em 2021.
Tal conjuntura se agrava quando é feita uma análise das regiões mais pobres do país. O norte e o nordeste apresentaram taxas muito acima da média nacional. Enquanto no nordeste a taxa de evasão escolar ficou acima dos 5%, no norte ela atingiu a casa dos 10%.
O Ministério da Educação apurou o desempenho dos alunos em matemática e português, a fim de mensurar os impactos da pandemia nas áreas. O resultado apresenta consonância com a preocupante conjuntura das taxas de abandono. 3,2 milhões de alunos foram avaliados. A porcentagem de acerto das questões de matemática foi de 23%, enquanto nas questões de português, que envolvem, principalmente, a habilidade da interpretação, a taxa foi de 50%.
Em entrevista ao G1, a presidente do Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária, Anna Helena Altenfender, afirma que faltou, por parte do Ministério da Educação, a fomentação de políticas públicas nesse período. “Estudiosos, professores e pesquisadores já vinham fazendo alertas nesse sentindo. […] É preciso políticas públicas que deem insumos técnicos e financeiros. […] É preciso priorizar a educação.
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