Como essa modalidade de ingresso pode facilitar a entrada dos estudantes indígenas na universidade
Por Julia Magalhães
Imagem de um indígena realizando uma prova de vestibular [Imagem: Reprodução/Leonardo Bettinelli/UFPR]
“Este é o novo caminho que precisamos seguir” - Daniel Munduruku sobre o vestibular indígena
Segundo o Censo da Educação Superior, de 2010 para 2017, cresceu 842% o número de estudantes indígenas no ensino superior, saindo de 2.723 para 25.670. Um dos motivos para o aumento dessa população em um curso universitário é a Lei de Cotas (Lei Federal 12.711/2012). Essa ação possibilitou que uma porcentagem das vagas das universidades fosse liberada para estudantes de escola pública, pretos, pardos e indígenas. No entanto, embora essa lei tenha um claro impacto na vida dessas pessoas, é preciso achar outra maneira de aumentar esse número, uma vez que é muito pequeno se comparado com a quantidade total de alunos matriculados em faculdades. Esta outra maneira é o vestibular indígena.
Presente em mais de dez universidades públicas, incluindo Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o vestibular indígena facilita ainda mais o ingresso desses indivíduos nas universidades, já que é completamente voltado para essa população.
As vantagens de um vestibular indígena
Daniel Munduruku, escritor e professor indígena, cursou o ensino superior quando ainda não existia sequer a Lei de Cotas. Em entrevista ao Central Periférica, ele afirma que não foi fruto desse "privilégio'' que hoje a maioria dos estudantes indígenas possuem. “Não digo isso em tom de crítica, mas de reflexão, pois foi graças ao esforço de pessoas como eu que hoje temos este sistema de vestibular específico para indígenas”, diz o escritor. Daniel conta que sua preparação anterior à universidade lhe deu base para saber seu papel enquanto parte da academia. “Quero crer que o mérito não é individual, mas coletivo. No entanto, o sacrifício pessoal é fundamental para que se criem alternativas reais para que mais pessoas consigam galgar os caminhos da formação universitária”, relata o indígena. Dessa forma, o esforço de Daniel para conseguir entrar em um ensino superior permitiu que hoje mais estudantes de etnias indígenas possam entrar de maneira mais fácil pelo vestibular voltado para elas.
Analisando o seu processo mais complicado de entrada na faculdade, o escritor afirmou que vê como vantagens de um vestibular indígena acabar com a distorção histórica de que apenas uma parcela da população tem direito à educação superior no Brasil. "Desmistifica a ideia de que há pessoas mais qualificadas do que outras e as coloca em lugar de igualdade para que cada pessoa possa mostrar suas qualidades intelectuais”, conta o professor. Além disso, ele vê esse método de ingresso como algo positivo, pois obriga as instituições acadêmicas a repensarem seu papel de reprodutoras do sistema de castas que sempre prevaleceu em nossa sociedade. Por fim, uma última vantagem, de acordo com o escritor, é que este vestibular permite que os indígenas também demonstrem sua competência através da participação nas ações acadêmicas e possam dividir os saberes que trazem de suas comunidades e aldeias.
Assim, as vantagens do vestibular indígena não estão somente ligadas com a facilidade de entrada dessa população na universidade, mas também com a possibilidade de acabar com os mitos de que os indígenas não são qualificados para o ensino superior. Ele incentiva que eles entrem nas universidade e mostrem saberes de suas comunidades, além de fazer com que as faculdades reflitam sobre a sua importância na formação das gerações futuras.
As vantagens de um ensino superior
O ensino superior é o desejo de muitos cidadãos brasileiros, no entanto, somente uma pequena parcela da população consegue finalizá-lo. Este número diminui ainda mais quando essa população é indígena. De acordo com Daniel Munduruku, o fato dele ter um título acadêmico de alta relevância permitiu que ele adentrasse em espaços que estavam, até então, fechados para ele. “A formação acadêmica me alçou para um degrau mais alto para influenciar políticas públicas ou mesmo fazer ecoar minhas reflexões em esferas superiores. Se posso participar desses espaços hoje é graças aos títulos que possuo”, afirmou o professor.
Além disso, ele acrescenta dizendo que a educação o ajudou para que tivesse possibilidade de lutar a favor da sua comunidade. “Falar bem o português, dominar as ferramentas de análise social, aprender a manipular as novas tecnologias me permitiram e permitem dialogar de forma mais qualificada com a sociedade brasileira, ajudando-a a romper com os preconceitos e estereótipos que ainda habitam a mente e o coração dos brasileiros”, conta o escritor. Assim, os domínios dos códigos da sociedade envolvente foram muito úteis para lhe fazer ser ouvido por todas as esferas e, logo, poder melhorar a realidade das sociedades indígenas.
O Central Periférica perguntou ao professor se ele acreditava que ter um vestibular indígena na universidade poderia ter alguma influência no ensino desta. Ele afirmou que as faculdades podem tornar-se melhores caso consigam aproveitar a presença indígena em seus campi para desenvolverem melhores práticas de ensino e aprendizagem. “É importante que essas universidades estejam atentas para o fato de que estudantes indígenas trazem uma bagagem cultural que os demais estudantes não possuem”, relata Daniel. Por isso, se souberem aproveitar esse capital intelectual e cultural conseguiram propor metodologias inovadoras e comprometidas com a sociedade brasileira.
Dessa forma, o curso superior teve como vantagens permitir que um indígena, Daniel, ocupasse lugares que, em geral, não lhe eram concebidos e possibilitar que ele pudesse utilizar esses lugares para facilitar o acesso da sua comunidade também. Esse processo serviu, inclusive, como uma maneira de compartilhar ensinamentos entre os indígenas e essa população mais privilegiada, uma vez que aqueles possuem vivências culturais diferentes dos outros estudantes não indígenas.
O caminho para o futuro
Segundo Daniel, hoje não se pode mais pensar no mundo sem frequentar uma universidade. Ele acredita que a juventude indígena está compreendendo isso de forma muito clara e está respondendo a essa demanda de maneira muito criativa. Para o escritor, quanto mais vestibulares forem se apresentando, mais opções a juventude terá para escolher o que melhor se adequar a si e às comunidades a que pertencem. “Acho, portanto, fundamental que existam estes concursos que tenham paridade e ofereçam condições de permanência nas universidades”, conclui o professor sobre a importância de um vestibular indígena.
O vestibular indígena é necessário por diversos fatores como por exemplo, compartilhar experiências entre estudantes não indígenas e possibilitar que essa população esteja mais presente em lugares que hoje lhe são negados. Assim, para fazer com que o número de pessoas universitárias dessa comunidade aumente é preciso que mais faculdades realizem um vestibular voltado para as etnias indígenas.
Daniel Munduruku representado acima [Imagem: Reprodução/Albin Olsson]
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