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Caroline Kellen, Gabriel Gama e Isabel Vernier

Pais professores: uma imposição da pandemia

As dificuldades de lidar com o ensino remoto fizeram com que muitos responsáveis se tornassem os principais gestores da educação dos estudantes


[Imagem: Colagem de Isabel Vernier/Canva]

“Eles não me vêem como uma professora, mas eu vou pegando no pé, ‘não, você tem que fazer a lição’, aí tem choro, briga, reclamação, fica confuso pra eles. Eles não conseguem separar [a hora da lição da hora de brincar], mesmo que eles estejam em casa e tenham que fazer a lição, não se acostumam com a rotina.”


Essa fala é de Wylliama Keylha, desempregada e mãe solo de duas crianças, B. de 11 anos que cursa o 6° ano e J. de 10, no 5° ano, que vive em Itaquaquecetuba. Tal situação não é exclusiva da realidade de Keylha: a pandemia de Covid-19 fez com que muitos pais se encontrassem nesse mesmo contexto do que se entende como “pais professores”.


O conceito apresentado diz respeito a pais e familiares que se encontram na posição de auxiliar os estudantes na educação formal, apesar de não terem a formação adequada para a função. De acordo com a educadora e cofundadora do programa Amplifica, Carla Arena, esta atribuição deve ser outra: “eles têm um papel de orientar e direcionar as crianças, fazer com que elas desenvolvam hábitos saudáveis de estudo e também de lazer”.

[Imagem: Carla Arena/Arquivo Pessoal]

Os problemas no ensino remoto e a posição dos pais


A construção do modelo educacional criado na pandemia apresenta falhas sérias, analisa a professora da Faculdade de Educação da UFRGS e especialista em educação a distância (EAD), Patrícia Behar. “Não podemos dizer que é uma educação à distância, é um ensino emergencial para poder suprir as necessidades dos alunos nesse momento os professores fazem o que podem, muitas vezes mandam as atividades por WhatsApp, os alunos tem que imprimir, responder à mão e mandar”, diz ela.


Segundo a professora, o sistema EAD é um modelo planejado e com metodologia própria para o ambiente online, diferentemente do que aconteceu na pandemia, apesar de algumas pessoas terem conseguido aprender a usar minimamente os recursos tecnológicos durante o período. A inserção desse modelo às pressas e a desqualificação dos professores para o ensino digital fez com que as aulas simplesmente mudassem da sala de aula presencial para a frente de computadores, como se fossem vídeo aulas ou um telecurso. Keylha comenta que, dessa forma, seus filhos têm muita dificuldade de concentração, não conseguem tirar as dúvidas adequadamente e muitas vezes têm problemas na conexão e com o aparelho (um celular antigo).


Outra questão é a falta de sincronia entre as aulas dadas na televisão ou no aplicativo e os livros didáticos ou atividades que a criança tem em mãos. Taila Fernandes, moradora da Vila Nova Cachoeirinha e mãe de S., com 9 anos e na 4ª série, diz que “os livros enviados pela escola eram mais avançados do que ela aprendia, ela estava na 3ª série e vinham lições da 4ª e 5ª série também”.


Além disso, as tentativas dos responsáveis em ajudar os alunos a fazerem as tarefas nem sempre são bem sucedidas. Na experiência de Keylha, as pesquisas na internet podem atrapalhar a compreensão dos conteúdos, causar estresse nela e nos filhos e desmotivação por não entenderem as atividades.


É importante lembrar ainda que os próprios responsáveis podem não ter a capacidade de ajudar os alunos. “O que temos que considerar também é que muitas vezes esses responsáveis não têm um letramento básico e não estou nem falando de letramento digital (saber utilizar as tecnologias digitais), e sim de alfabetização. Então, realmente, isso foi e é um grande desafio no ensino remoto”, diz Carla.


A motivação para pais e filhos acaba sendo perdida no meio de tantas mudanças e dificuldades de aprendizagem. Logo, mesmo tendo acesso ao suporte tecnológico, muitos alunos sofrem com falta de perspectiva nos estudos, fator intensificador da desistência escolar, que, de acordo com Patrícia, “era algo que o Brasil estava conseguindo controlar muito bem, em março de 2020”.

[Imagem: Patrícia Behar/Arquivo Pessoal]

As chaves para superar as dificuldades do ensino remoto: paciência e organização


Carla Arena levanta o questionamento: “essa é uma equação bem difícil, ninguém foi preparado pra isso. Então, se já é desafiador ser pai, mãe, tio, avô, avó, que cuidam e são responsáveis pelas suas crianças e jovens, imagine num contexto que foi totalmente novo para todo mundo?”.


E o que fazer diante desse horizonte? Patrícia apresenta algumas dicas para pais e alunos que podem ajudar no ensino atual: saber organizar-se, ser paciente, ter vontade de aprender e tempo de se adaptar, permitir-se errar bastante, não ficar isolado, tentar compartilhar, saber lidar com os imprevistos, pedir ajuda, fazer o diferente e estar aberto para novos modelos.





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