Futebol sem torcida: como a pandemia alterou a dinâmica dos clubes do interior
Com a suspensão do Campeonato Paulista em março, times menores tiveram que se adaptar aos protocolos de segurança e lidar com as incertezas de orçamento
Por Júlia Rodrigues
A pandemia do coronavírus fez com que várias atrações culturais fossem adiadas ou canceladas, inclusive as partidas de futebol. Os 16 times participantes do Campeonato Paulista viram suas estratégias mudarem após a suspensão da disputa em 16 de março. Até o retorno em 22 de julho, a nova rotina se compunha de treinos à distância e medidas de segurança contra o coronavírus, ambos exigidos pela cartilha da OMS (Organização Mundial da Saúde) distribuída aos jogadores.
Para alguns clubes, a alteração de datas representou perda de orçamento e de jogadores, cujos contratos se encerrariam em abril, mês em que o campeonato originalmente chegaria ao fim. O Guarani, sediado em Campinas, perdeu um de seus principais artilheiros, já que em junho os salários estavam atrasados há dois meses e não havia como renovar contratos. O Mirassol, por sua vez, conseguiu manter apenas sete jogadores do elenco anterior, pois muitos também possuíam contratos limitados.
A retomada dos jogos no final de julho, entretanto, deixou de fora uma das peças essenciais do futebol. Até o momento, as torcidas ainda não foram permitidas nos estádios e os torcedores não mais puderam acompanhar seus times de perto. Igor Cyrillo Alves, sócio-torcedor do Botafogo-SP, de Ribeirão Preto, costumava assistir a todas as partidas até o adiamento do campeonato. Por causa da pandemia, teve que acompanhar os resultados por aplicativos no celular.
"Quando não consigo estar em casa, eu fico olhando a cada 10 minutos no ‘app’ que mostra resultados ao vivo”.
No contexto do isolamento social, as transmissões televisivas, além de constituírem a única relação entre os torcedores e o futebol, são fontes centrais de orçamento para os clubes. Canais como ESPN e Fox Sports já adaptaram seu modo de fazer cobertura, onde comentaristas, narradores e produtores trabalham em casa pela internet. O Botafogo-SP, que tem seus jogos transmitidos pelo Premiere, investiu também em totens de torcedores para as partidas da Série B do Campeonato Brasileiro.
Ainda que haja meios alternativos à presença da torcida nos estádios, as novas condições mudam a atmosfera dos jogos e definem, inclusive, seus rumos. Para Sérgio Giglio, professor de educação física da Unicamp, o público é porção indispensável do futebol.
“Quando a gente tem um futebol sem público, como tem sido agora, ele se torna um outro futebol. Quando essas pessoas ficam apartadas dessa possibilidade de estar, o futebol, enquanto fenômeno, perde um pouco de força.”
Fundador do Ludopédio, um dos maiores portais de conteúdo futebolístico da América Latina, ele considera que a abordagem do site, o qual busca estudar e pesquisar o futebol junto às Ciências Humanas, tem grande valor por ser atemporal. "O futebol é muito além do mero resultado da partida da noite anterior. Então, quando aconteceu a paralisação dos campeonatos, o Ludopédio não foi tão afetado, porque ele não vivia dessa dinâmica do tempo presente.” Com bancas de fotos, artigos, entrevistas e teses científicas, que unem temas como homofobia, elitização e protagonismo feminino ao futebol, portais como o Ludopédio não só asseguram a difusão de informações em um momento em que tudo é exclusivamente remoto, mas também demonstram que o futebol é um fato múltiplo, pleno de acepções.
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