Apesar da queda no números de internações por coronavírus, crianças com deficiências continuam com dificuldades no acesso à saúde em São Paulo
Por Thais Aya Morimoto
Espaço para estimulação motora no CIAM [Foto: Thais Aya Morimoto]
Com o avanço da vacinação, o Sistema Único de Saúde (SUS) ficou menos sobrecarregado. Mas o acesso ao sistema permanece com limitações. Familiares e ONGs relatam dificuldades em garantir o direito à saúde da criança com deficiência no estado de São Paulo. Faltam profissionais, vagas e conhecimento tanto dos familiares quanto da equipe especializada.
Simone dos Santos, mãe do autista Gabriel e moradora da comunidade Porto de Areia, em Carapicuíba, afirma que não consegue vaga para o seu filho no sistema público de saúde da região. “É complicado! Fica tudo longe e quando tem perto, não tem vaga. Queria levar o Gabriel para o neurologista e não tem profissional dessa área. Ele precisa de fonoaudiólogo e também não tem, precisa de psicólogo e não tem mais. Você só consegue o básico e olhe lá”.
Violação dos direitos básicos
Essa é a realidade não só de Simone e Gabriel, mas de várias famílias. O apoio de uma equipe multidisciplinar é um direito da pessoa com deficiência garantido constitucionalmente. Mas muitas famílias passam por dificuldades em obter esse suporte pelo SUS, situação dos pais que buscam o Centro Israelista de Apoio Multidisciplinar (CIAM), uma ONG que presta assistência gratuita a menores de idade com deficiência intelectual de baixa renda. “Quando a família nos procura, é porque não conseguiu o atendimento na rede pública”, afirma Damaris Braga, coordenadora do CIAM.
A instituição está com falta de profissionais de fonoaudiologia e de terapia ocupacional desde o começo da pandemia do coronavírus. Ambas as áreas foram requisitadas para o tratamento de pacientes da doença, o que provocou a falta deles para o atendimento de deficientes na ONG e pelo SUS.
Outras áreas também foram afetadas. Parte das famílias relatam dificuldades em conseguir pediatria e especialidades no geral, como neurologia e pneumologia. No Ciam, não há corpo médico. Damaris explica que, nesses casos, mesmo que o foco da instituição não seja esse, ocorre o suporte para conseguir o direito na rede pública, o que muitas vezes é essencial para conseguir o atendimento.
Adriana Florêncio, mãe de Thiago, disse que a garantia do acesso à saúde só foi conquistado após ela recorrer à justiça. O garoto é portador da Síndrome de Michels, uma rara doença que causa deficiências, e já precisou de várias intervenções cirúrgicas e necessita de remédios de alto custo. O SUS disponibiliza todo o tratamento para Thiago, mas somente após Adriana lutar na justiça, o que ela recomenda que todos os pais de crianças com deficiências façam.
Os malefícios da ausência de acompanhamento profissional desde cedo
O acompanhamento profissional é necessário para o desenvolvimento das crianças com deficiência. “Muitas sequelas podem ou ser minimizadas ou deixar de existir com uma boa intervenção desde muito pequeno”, explica Vivian Lederman, que faz parte do comitê técnico do CIAM.
A intervenção precoce possui diversos benefícios à criança com deficiência. “O desenvolvimento da criança vai ter um resultado melhor e a questão cerebral vai ser mais desenvolvida. Não vamos esquecer que o cérebro se desenvolve até os 24 anos”, destaca a neuropsicóloga Daniella Cavalcante. Ela ainda reafirma a necessidade e a importância do acompanhamento da criança com deficiência por uma equipe multidisciplinar, o que muitas vezes não acontece.
Várias famílias demoram para conseguir atendimento aos filhos com deficiências no SUS e quando conseguem, por vezes, a frequência de atendimentos é menor do que seria na rede particular, segundo Vivian. Essa precarização no atendimento prejudica as famílias que estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica e dependem do sistema público de saúde. A criança fica um período sem ser estimulada, o que pode provocar o agravamento da deficiência.
Condições pré-parto e diagnóstico
Outras situações também são fundamentais no desenvolvimento da criança com deficiência. “A subnutrição da mãe grávida, as más condições de parto e as más condições pré-natais podem levar à deficiência intelectual ou motora'', diz Vivian. “A vulnerabilidade econômica pode condenar aquela criança a uma deficiência que talvez ela não teria”, complementa.
A situação é agravada quando as famílias demoram para buscar atendimento médico por não perceberem que seu filho nasceu com deficiência. Profissionais despreparados também atrapalham o diagnóstico e parte deles dificultam a aceitação da notícia pelos parentes da criança com deficiência.
“Muitas vezes a família recebe [o diagnóstico] de uma maneira avassaladora. É quase como dizendo ‘Ah, essa criança não vai conseguir A, não vai conseguir B, não vai conseguir C’. Não conta o que ela vai conseguir, o que é possível. Então, a família muitas vezes chega muito abalada [no CIAM].”
O trabalho de acolhimento é realizado na instituição por meio de psicólogos e da equipe, função essa que deveria ser exercida pelo SUS, de acordo com a Constituição. Mas o sistema público, mesmo disponibilizando o serviço de atendimento às crianças com deficiência, segue inacessível para muitas pessoas da periferia.
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