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Danilo Queiroz e Mariana Krunfli

Crianças da São Remo desejam realidade melhor

Alunos da Escola Girassol têm como principais ídolos as suas mães e querem um dia ir para outro lugar; professor destaca a falta de lugares para crianças brincarem na comunidade.


Por Danilo Queiroz (daniloqueiroz@usp.br) e Mariana Krunfli (m.krunfli@usp.br)


[Reprodução/Danilo Queiroz]


O Central Periférica foi até o Espaço Girassol, projeto que oferece atividades socioeducativas, e entrevistou seis crianças da São Remo durante uma aula e também o professor Caetano Salgado que mora na comunidade desde 2019. As crianças entrevistadas, que têm em torno de dez anos, contaram suas esperanças, inspirações e aspirações durante a conversa.


A escola, que se localiza no coração da comunidade, acolhe crianças em aulas complementares ao período escolar, visando o desenvolvimento, aprendizagem e exercício de sua cidadania.


A imaginação das crianças é necessária para suavizar a dor da realidade

[Reprodução/Danilo Queiroz]


As grandes inspirações das crianças


Entre ídolos da internet indicados pelas crianças, como Neymar e Marília Mendonça, esses não se compararam às inspirações mais citadas: suas mães. "Eu não gosto de ninguém da internet. Sabe de quem eu gosto? Da minha mãe. Minha mãe que me inspirou para pintar unha", uma delas explicou. As respostas indicaram um aspecto importante, as fortes relações matriarcais. As crianças ressaltaram se inspirar nos conselhos, na ajuda, no carinho e no trabalho duro que as mães enfrentam por eles: "Quando eu tô triste ela me alegra, quando eu quero alguma coisa ela trabalha e compra pra mim", disse um dos pequenos.


Os jogos servem como ferramenta no ensino de aprendizagem.

No xadrez, por exemplo, a disciplina é um desses ensinamentos

[Reprodução/Danilo Queiroz]


O que elas querem ser quando crescerem?


Manicure, cantora famosa, empresário e veterinária são algumas das profissões almejadas pelas crianças, que mostram um olhar positivo para o futuro com grandes mudanças. Dentre elas, grande parte dos pequenos planejam sair da São Remo quando crescerem e melhorarem de condição de vida, como ressaltou um dos entrevistados: "Eu imagino no meu futuro que eu saia daqui. Eu vou trabalhar em uma empresa rica. Eu vou lá pra Dubai, morar lá com meus pais. Comprar uma casa para minha mãe". Apesar de olharem para fora, também se preocuparam em olhar para dentro de sua comunidade, esperando pequenas, mas importantes mudanças na São Remo: “(Queria que) colocassem mais brinquedos para as crianças aqui”, contou uma das alunas.


O espaço para brincar (Se essa rua, se essa rua fosse minha)


Muitos acreditam que as novas gerações estão preferindo o mundo virtual às brincadeiras ao ar livre. Porém, no caso da São Remo, as crianças não têm essa escolha. Sem espaço para brincar, elas acabam por buscar suas fontes de lazer nas redes sociais, como contou uma das meninas na entrevista: "Eu vejo mais Tik Tok do que brinco". A privação desse lazer se dá tanto pela falta de estruturas, como pelo descaso com as que já existem, como explica o professor da turma, Caetano: "Eu vejo que aqui eles têm muita dificuldade de ter um espaço próprio para brincadeiras e atividades, e tem também uma contextualização violenta por conta do tráfico e outras questões. Aqui a gente tem muita dificuldade de descarte de lixo, então acaba que os espaços públicos da São Remo ficam obsoletos. As crianças não têm onde brincar”.

Algumas das crianças entrevistadas e, ao fundo, o acúmulo de lixo da São Remo

[Reprodução/Danilo Queiroz]


A falta de dinheiro afeta a imaginação?


Quando questionadas se ainda acreditavam na fada do dente, somente uma das crianças respondeu que sim, mas foi logo ridicularizada pelos amigos. Ela disse que, apesar de colocar o dente debaixo do travesseiro, o dinheiro nunca vinha, mas que isso não a impedia de continuar acreditando. A questão financeira se mostrou tão nítida aos olhos das crianças que, enquanto muitos dos colegas contaram versões idealizadas de seus futuros, uma das meninas afirmou: "Sabe o que eu imagino no futuro? Que o gás vai estar 500 reais! O arroz vai estar mais caro. Tudo vai estar mais caro … O futuro que eu quero é que as coisas estejam mais baratas, que as casas estejam mais bonitas".


O perfil da sala é bem diverso e a todo momento o professor os leva a serem protagonistas de suas próprias histórias até por meio da curiosidade em sala de aula através de uma pergunta [Reprodução/Danilo Queiroz]


São Remo x USP


A Universidade de São Paulo e a São Remo sempre caminharam juntas, tanto que, de acordo com o professor Caetano, ela surgiu com os trabalhadores que construíram os atuais espaços da faculdade. "A comunidade se formou e cresceu através da necessidade de criar a USP", explicou ele. Apesar da proximidade histórica e física entre a Universidade de São Paulo (campus Butantã) e a São Remo, separadas apenas por um muro e alguns centímetros, a influência da USP não se faz tão grande sobre os pequenos, já que somente uma das entrevistadas demonstrou interesse na faculdade, onde gostaria de trabalhar como veterinária.


Existe um drástico contraste entre a presente realidade e as possibilidades de futuro na universidade e na São Remo. Enquanto uma é reconhecida pelo avanço na ciência, a outra luta contra a dificuldade do descarte de lixo. Em uma, o emprego é quase garantido, e na outra, é preciso contar com a imaginação para ver um futuro melhor. Mas, apesar de tudo, o professor ressaltou: “O que eu espero para as crianças é que elas ocupem os lugares da São Remo e que cuidem desse local. Para isso, a gente vai trabalhando a consciência social, ambiental, de deveres e direitos como cidadãos da São Remo”. Quem sabe, quando isso acontecer, universidade e comunidade possam andar lado a lado rumo a uma nova, não só perspectiva, como realidade na periferia.


Nos becos da São Remo responsáveis já ensinam os caminhos que as crianças devem seguir [Reprodução/Danilo Queiroz]


Diante de uma realidade apertada, é possível expandir o futuro


A unidade Girassol atualmente dispõe de duas turmas possuindo 32 crianças assistidas. Além das atividades desenvolvidas no projeto, o professor Caetano a todo momento tenta recuperar a infância em sala através de atividades extracurriculares, como a ida a um museu da USP. Ele conta que insiste nisso, pois, embora que centímetros separem duas realidades tão diferentes, a forma como as crianças serão dependerá do que é construído hoje.


Para Elbio Miyahira, diretor do projeto Agente, que possui tanto o Girassol quanto o Mova como movimentos participantes, é preciso expandir ainda mais. Atualmente a unidade, que concentra todas as atividades desenvolvidas, está em reforma e os trabalhos estão sendo realizados em espaços cedidos por uma igreja católica da comunidade e do coletivo Alavanca também na São Remo. O objetivo é aumentar ainda mais o espaço para que possam oferecer uma infraestrutura capaz de receber mais crianças, mais jovens e mais adultos.


Atual unidade do projeto Girassol em reformas a fim de expandir o projeto e consequentemente a ampliação de crianças acolhidas

[Reprodução/Danilo Queiroz]


Para mais informações sobre a Associação Metodista Livre Agente, acesse: https://agente.org.br/.

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